Quantos alunos estarão sem aulas daqui a 1 ano?
A não ser que se deixem cair as exigências actuais de contratação de professores através do concurso nacional daqui a um ano teremos 110 mil alunos sem aulas a pelo menos uma disciplina.
Um número que, daqui a 3 anos, atingirá os 250 mil estudantes, ou seja, mais de metade dos alunos que hoje frequentam o ensino do 7.º ao 12. º anos.
Estes impactos, contudo, serão apenas pontuais no caso dos anos do pré-escolar ao 6.º ano. Por um lado, devido à quebra da natalidade, por outro porque o número total de educadores e professores actualmente a ser formados será adequado face à projecção de necessidades futuras.
Vejamos então os factos:
Com a massificação do ensino nos anos após o 25 de Abril, foram contratados para dar aulas muitos jovens na casa dos 20-30 anos, licenciados, mas sem formação específica em didáctica e pedagogia. Estima-se que terão sido cerca de 50 mil, com o grande boom a verificar-se em meados da década de 1980. Esses jovens, fizeram a profissionalização em exercício, entraram na carreira docente e estão agora a aproximar-se da idade da reforma.
E, tal como houve um boom de entradas, vai dar-se agora um boom de saídas.
Em 2019, com o avizinhar destas saídas em massa, o Conselho Nacional de Educação solicitou-me, enquanto directora da DGEEC, uma projecção para o número de pedidos de aposentação nos 10 anos seguintes, por grupo de recrutamento (que aqui designarei por grupo disciplinar). Pediu-me ainda que se fizesse um levantamento de quantos novos professores estavam a ser formados nas Universidades e Politécnicos.
O relatório foi publicado em Julho de 2019 mas pouca foi a atenção dada ao problema, principalmente do lado das Universidades. Já o Ministério da Educação encomendou um estudo mais detalhado a uma equipa de investigadores da Nova SBE liderada por Luís Catela Nunes, no qual se interligam as projecções de aposentações com as projecções de alunos, e com isso cenarizando o número de novas contratações a fazer a curto e a médio prazo.
É deste estudo que trago os primeiros números relativos às previsões de aposentação:
Não estou aqui a considerar todos os grupos disciplinares, embora os números sejam preocupantes na generalidade, com excepção dos do grupo da Educação Física. Forcar-me-ei nos oito que constam da tabela acima por serem aqueles com dados históricos de maior expressão na formação inicial de professores.
Como já referi, onde estará o maior problema é na capacidade de resposta das universidades na formação destes professores. E, para ilustrar esse facto, recorri aos números de diplomados que a DGEEC disponibiliza aqui (ver ficheiros com a designação “Diplomados no Ensino Superior em …”), onde há dados desde 2002/03.
A primeira constatação é de que, nos anos mais recentes, as ofertas de cursos que englobam pré-escolar e 1.º ciclo e que englobam 1.º ciclo e 2.º ciclo têm vindo a ser a regra, contrariamente ao que se verificou até 2008/09, onde os cursos de formação eram específicos para cada ciclo.
Optei, por isso, por considerar um grupo disciplinar alargado, designado por “Do pré-escolar ao 2.º ciclo” e que inclui a formação inicial de educadores de infância, professores de 1.º ciclo e professores de 2.º ciclo de Português e línguas estrangeiras, História e Estudos Sociais, Matemática e Ciências da Natureza.
Os números surpreendem pela dimensão da quebra! A profissão de professor deixou de ser atractiva por diversos motivos e os gráficos seguintes são bem ilustrativos dessa tendência:
O gráfico da esquerda mostra que se formam actualmente cerca de 7 vezes menos professores para os níveis que vão do pré-escolar ao 6.º ano de escolaridade que em 2002/03. Ainda assim, e como iremos ver, o número actual está adequado ao que se prevê em termos de alunos e de turmas. As escolas superiores de educação dos institutos politécnicos de Lisboa, Porto e Coimbra contribuíram com 30% do total de diplomados nos mestrados de formação de Educadores de Infância e de Professores do 1.º e 2.ºciclos em 2019/20 (último ano com dados disponíveis).
Já no que refere ao Português para o 3.º ciclo e secundário, a situação é bastante preocupante, dada a redução do número de professores recém-formados nos últimos três anos (são actualmente 10 vezes menos que em 2002/03).
Apesar dos valores relativamente mais elevados entre 2010 e 2015, prevê-se insuficiência de professores de Português nos próximos cinco anos. O aumento das inscrições nos cursos de formação inicial de professores nesta área irá colocar, certamente, uma grande pressão nas Faculdades de Letras do Porto e de Coimbra e no Instituto de Educação de Lisboa, já que têm vindo a assegurar 90% dessa formação.
Dos grupos disciplinares contemplados nos quatro gráficos acima, apenas o de Biologia e Geologia revela uma queda abrupta desde 2002/03 mas, como veremos, em todos eles estão a ser formados menos docentes com qualificação profissional que os que são necessários face às saídas.
E o que dizer dos grupos da Matemática e da Física e Química? A resposta é que nestas áreas, que sustentam o conhecimento base para as novas tecnologias, haverá um enorme problema. Mesmo atendendo a que se poderá vir a abrir a porta à contratação de licenciados em engenharias e áreas afins, a competição com o mundo empresarial não faz antever um resultado favorável para o lado das escolas.
Formar apenas entre 17 e 22 professores de Matemática e entre 5 e 8 professores de Física e Química nos últimos quatro anos deveria ter feito soar os devidos sinais de alarme!
Será que uma boa campanha de marketing nas Faculdades de Ciências das Universidades de Lisboa, Porto e Coimbra conseguiria ter revertido esta situação? Eu diria que isso só acontecerá quando a carreira docente do básico e secundário se tornar mais atractiva …
Passemos agora ao confronto entre a oferta e a procura para cada um dos oito grupos disciplinares que aqui temos vindo a analisar.
Admitindo que a oferta se irá manter dentro do mesmo padrão nos próximos nove anos, apenas o grande grupo disciplinar “Do Pré-escolar ao 2.º ciclo” terá um valor superior a 1 no rácio oferta/procura em qualquer dos períodos. Todos os outros estão 4 a 10 vezes abaixo das necessidades no período 2022/23 a 2025/26 e 4 a 20 vezes abaixo no período 2026/27 a 2030/31 (com o grupo da Física e Química a ser o mais crítico).
O débito do pipeline da formação de professores por parte das universidades é, de há 10 anos a esta parte, de tal modo insuficiente que não vai mesmo haver alternativa a não ser tomar medidas de recurso: permitir um maior peso de professores sem habilitação profissional no sistema; redução das horas de apoio ao estudo; aumento significativo do número de alunos por turma.
Dez anos de débito reduzido tornam muito pouco provável que ainda haja professores com qualificação profissional nestes grupos de recrutamento a aguardar por colocação. Os poucos que têm vindo a ser formados foram já, certamente, absorvidos.
Essa foi uma das premissas das previsões que apresentei sobre o número de alunos que ficariam sem aulas. A outra premissa foi a de que, só em última instância se deixaria uma turma sem professor a duas ou mais das disciplinas aqui consideradas.
Também se teve em conta as horas de cada disciplina nas matrizes curriculares e a carga horária dos professores em final de carreira (redução de 8 horas face às 22h do início da carreira). Na prática, cada 2 professores que entram de novo compensam a saída de 3 professores por aposentação e somente por isso os números do primeiro parágrafo deste texto não são ainda mais expressivos.
23 de março de 2022
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor