
As políticas públicas em Portugal mudam assim tanto?
Em Portugal, a perceção de descontinuidade nas políticas públicas está profundamente enraizada. Essa narrativa, longe de ser apenas uma construção da comunicação social e da opinião pública, é também uma preocupação ressaltada por detentores de cargos políticos.
Porque nos devem preocupar estas perceções dos cidadãos?
Frequentemente, essa descontinuidade é entendida como uma importante fonte de ineficiência e desperdício de recursos, que, em última análise, prejudica os investimentos e a confiança dos cidadãos na esfera política.
Mais ainda: é amplamente consensual a importância destas perceções, na medida em que podem condicionar as ações de cidadãos, afetar o apoio e envolvimento democrático, e minar a confiança no governo e nas instituições políticas.
No entanto, até hoje, esta perspetiva tem-se baseado em observações pessoais e não sistemáticas, carecendo de um exame empírico aprofundado que permita identificar e compreender os padrões de continuidade e de mudança nas políticas públicas.
Este estudo, pioneiro em Portugal, analisa a evolução dos dados orçamentais, das reorganizações da administração e das nomeações ao longo de 44 anos de governação (1976–2020), não só mapeando os padrões de continuidade e mudança, mas analisando também os fatores que os explicam.
O que este estudo permite concluir sobre as (des)continuidades das políticas públicas em Portugal? As quatro décadas de democracia analisadas revelam longos períodos de estabilidade e mudanças incrementais, com os momentos de mudança mais intensa associados a crises económicas, a momentos-chave da integração europeia ou a alterações governamentais.
Embora se observe uma tendência para a continuidade estrutural, especialmente desde a primeira década do século XXI, as mudanças mais marcantes surgem em contextos de crises económicas e em cenários de alternância partidária completa.
Além do impacto das variáveis políticas tradicionais – como a alternância no governo, o grau de conflito, a ideologia e os choques exógenos – como preditores das alterações nas políticas públicas, o estudo destaca a importância crucial da aprendizagem institucional.
Esta aprendizagem, ao longo do tempo, tem moldado significativamente a maneira como os decisores utilizam essas ferramentas. Se, nos primeiros anos de vida democrática, os governos privilegiaram as alterações aos orçamentos, a partir da primeira década no novo milénio, destaca-se a preferência dos governos pelo controlo de políticas públicas através das mudanças de dirigentes da administração.
E em momentos-chave, durante reformas (2005; 2012), operaram-se grandes reorganizações da máquina pública.
Há, assim, sinais de adaptação e aprendizagem institucional no uso destas ferramentas.
Num contexto de crescente complexidade e desafios globais, os decisores políticos enfrentam a difícil tarefa de equilibrar a necessidade de mudanças ágeis com a preservação de princípios fundamentais de governança democrática e eficácia administrativa, capazes de mitigar os desafios associados à instabilidade.