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O debate em torno da Sustentabilidade da Segurança Social

Artigo de Daniel Carolo, investigador do CESA e professor convidado no ISEG-ULisboa e no ISCTE-IUL.
4 min
Procurarei apresentar o meu contributo como académico em torno de três ideias que, intencionalmente, pretendo que sejam um pouco contra corrente, justamente para alargar o espectro do debate e as possibilidades do contraditório.
  1. O sistema de segurança social em Portugal é hoje melhor do que alguma vez foi: há mais beneficiários, mais e melhores prestações, maior transparência e maior equidade redistributiva. Além do mais, as regras hoje em vigor já permitem um controlo dos principais fatores de aumento da despesa com as pensões: encerramento da CGA a novos subscritores a consequente unificação, ainda que gradual, com a Segurança Social; anulação da variação dos salários através da consideração de toda a carreira contributiva; atualização das pensões condicionada à evolução do PIB e diferenciada por escalões de rendimento; introdução do fator de sustentabilidade para ‘anular’ o aumento da despesa decorrente do aumento da esperança média de vida; e até a contenção da deterioração do rácio ativos/pensionistas através do aumento da idade de reforma. Não obstante, a questão da sustentabilidade é uma dimensão que merece toda a atenção, já que existem riscos que devem ser equacionados, mesmo não sendo a sustentabilidade financeira a única dimensão, nem o envelhecimento demográfico o maior dos constrangimentos.

     
  2. O sistema de Segurança Social é composto por diferentes componentes e por isso os estudos e o debate devem incorporar essa diferenciação bem como os diferentes impactos redistributivos, pois ‘os pensionistas não são todos iguais’ nem afetados da mesma forma. Sendo necessários estudos que permitam aferir os progressos e os riscos em todas estas dimensões, e naturalmente legítimo o debate político em torno de todas e quaisquer opções, em ambos os casos é imprescindível que se apresentem perspectivas fundamentadas, não se podendo ignorar aquilo que são as transformações em curso, resultantes das reformas de 2000, 2002, 2007 e alterações na idade de reforma em 2013, nem tão pouco que ao discutirmos a Sustentabilidade da Segurança Social seja indispensável distinguir aquilo que são os diferentes componentes do sistema – Caixa Geral de Aposentações, Subsistema Previdencial ou Subsistema de Solidariedade –, com recurso a diferentes fontes de financiamento (contribuições sociais ou transferências do Orçamento do Estado), conforme se pode verificar pela análise à execução orçamental realizada pelo Conselho de Finanças Públicas.
     
  3. A análise da sustentabilidade implica considerar igualmente a realidade económica e social onde atua o sistema, sobretudo o mercado de trabalho. Concretamente no que se refere à sustentabilidade do sistema de pensões (Subsistema Previdencial), é muito importante que complementemos o conhecimento do funcionamento do sistema com base em dados reais (micro-dados) e daí decorre a importância do estudo promovido pela FFMS. Parece-me que é igualmente da máxima importância que os estudos permitam a distinção clara dos diferentes mecanismos de financiamento. A título de exemplo, as pensões da Segurança Social não são ‘pagas pelo Governo’ nem sequer financiadas por impostos (TOE) mas sim através das contribuições sociais de todos os trabalhadores (TSU). Neste sentido, este pormenor abre uma outra questão que remete para o modelo de governação do próprio sistema e a importância de fazer deste debate, como aliás está a fazer a FFMS, uma reflexão mais abrangente do que a análise do sistema numa óptica de finanças públicas e/ou da ação do Governo, integrando estas dimensões num quadro analítico mais amplo e profundo que assim necessariamente deverá incorporar as funções sociais do Estado e a importância da colectivização do risco em termos de legitimação e coesão política, económica e social. Todavia, não obstante a validade e relevância desta análise, fundamental para complementar as usuais análises agregadas macro de projeção da despesa em % do PIB no longo prazo, permito-me acrescentar aqui uma outra dimensão da sustentabilidade que é exógena ao sistema de segurança social (e portanto que vai além das respectivas regras de cálculo das contribuições e benefícios e efeitos na despesa) e que é o mercado de trabalho, uma vez que, em última análise, é esta que determina o funcionamento da Segurança Social. Sem emprego não há contribuições, logo não haverá subsistema previdencial. Contrariamente, se houver pleno emprego e os salários forem elevados, a questão dos montantes das pensões e prestações sociais, mesmo que venham a ser menores (o que não é um dado adquirido), deixará de ter tanta relevância.

Daniel Carolo é investigador no CESA-Centro de Estudos sobre África, Ásia e América Latina e professor auxiliar convidado no ISEG-ULisboa e no ISCTE-IUL.

Fotografia de RawPixel no site Pexels.

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor

    Portuguese, Portugal