O apressar a morte pelo mundo
Apressar a morte pode ser resultado de suicídio medicamente assistido ou de eutanásia.
A eutanásia define-se como sendo a ação realizada por um profissional de saúde, habitualmente médico, para pôr termo à vida de uma pessoa a seu pedido (por isso preferimos a expressão morte provocada a pedido do próprio), enquanto o suicídio medicamente assistido se refere à autoadministração de fármaco letal pelo próprio.
Na lei que foi recentemente aprovada pelo Parlamento em Portugal, define-se que «a morte medicamente assistida pode ocorrer por: a) Suicídio medicamente assistido; b) Eutanásia»; e consideram-se legítimos os pedidos de morte medicamente assistida apresentados por cidadãos nacionais ou legalmente residentes em território nacional, de acordo com a vontade e a decisão da própria pessoa, que se encontre numa das situações definidas.
Poderá (já) não valer a pena, nesta altura, discutir os conceitos ou a terminologia utilizada ou o que se entende por medicamente assistido. Na nossa legislação, poderá ser o doente que escolhe se quer pôr termo à sua vida, com assistência médica (e aqui designa-se suicídio medicamente assistido) ou se prefere ser morto pelo médico (eutanasiado).
A eutanásia
Num relance histórico-cronológico, a eutanásia está regulamentada em nove países do mundo - na Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Espanha, Colômbia, Uruguai, Canadá, Nova Zelândia e Austrália.
Como escrevemos, historicamente, o Uruguai foi o primeiro país a legislar o «homicídio piedoso» (em 1934), despenalizando-o sob certas condições, incluindo que a pessoa tivesse feito «súplicas reiteradas» (era esta a expressão usada na legislação).
Na Europa, há regulamentação em quatro países:
(1) Na Holanda (onde foi despenalizada em 1993 e depois legalizada em 2002, com a Lei sobre a Cessação da Vida a Pedido e o Suicídio Assistido);
(2) Na Bélgica (onde foi legalizada em 2002, para os doentes adultos ou menores emancipados, com capacidade e consciência na altura da realização do pedido, encontrando-se numa situação clínica irreversível que causa um sofrimento insuportável, resultando de uma condição acidental ou patológica grave e incurável, tendo sido depois, em 2014, alargada aos menores de idade);
(3) No Luxemburgo, desde 2009, igualmente sob certas condições, tanto a eutanásia como o suicídio assistido, e
(4) Em Espanha, que em 2021 regulou «o direito de qualquer pessoa elegível de pedir e receber a assistência necessária para morrer», sendo que a pessoa terá de «sofrer de uma doença grave e incurável ou de um quadro grave, crónico e incapacitante» que lhe cause «sofrimento intolerável»; tem de ser cidadão espanhol ou residente legal e estar «plenamente consciente e consciente» quando faz o pedido, que terá de ser apresentado duas vezes por escrito, com pelo menos 15 dias de intervalo.
A Colômbia descriminalizou a eutanásia em 1997; em julho de 2021, a lei sobre eutanásia ou morte assistida foi alargada para incluir casos de doenças não terminais desde que o doente «esteja em intenso sofrimento físico ou psicológico, resultante de lesão corporal ou doença grave e incurável».
No Canadá, em junho de 2016, foi legislada a medical assistance in dying, MAID, assistência médica para morrer, que abrange tanto o suicídio assistido como a eutanásia. As pessoas elegíveis devem ser cidadãos ou residentes permanentes do Canadá, com pelo menos 18 anos de idade, e uma «condição médica grave e irremediável».
Na Austrália, a lei Voluntary Assisted Dying foi aprovada em todos os Estados e já pode ser aplicada em Victoria, Austrália Ocidental e na Tasmânia; a VAD terá início em Queensland a 1 de Janeiro de 2023, na Austrália do Sul a 31 de Janeiro de 2023 e na Nova Gales do Sul a 28 de Novembro de 2023. Pode ser solicitada por pessoas com mais de 18 anos, residentes, diagnosticadas com uma doença incurável, progressiva e cuja morte seja esperada em semanas ou até seis meses, ou se sofrerem de uma doença degenerativa, que se espera cause a morte em menos de doze meses, excluindo da elegibilidade a pessoa com doença mental e com deficiência, exigindo que sejam solicitados três pedidos (sintetizamos as condições, que são mais do que estas).
Na Nova Zelândia, na sequência do End of Life Choice Act, de 2019, uma pessoa que esteja «a sofrer de forma insuportável de uma doença terminal pode optar por tomar ou a receber medicação para acabar com a sua vida», existindo critérios de elegibilidade para ter uma morte assistida, incluindo o prazo de seis meses de vida.
O suicídio assistido
O suicídio assistido ou medicamente assistido está regulamentado na Suíça, em alguns estados dos Estados Unidos, na Áustria (desde 2022) e a Itália teve o primeiro caso de suicídio assistido noticiado em 2022.
A Suíça, desde 1942, tem permitido o suicídio assistido, desde que a pessoa que presta ajuda ao suicida não tenha motivos de interesse próprio; e existem, como é sabido, organizações que ajudam na morte voluntária – a Exit do cantão alemão, a Exit Association pour le Droit de Mourir dans la Dignité, a Lifecircle e a Dignitas.
Nos Estados Unidos, em oito Estados, a legislação permite aos médicos prescreverem medicação letal a pessoas em situação terminal, com morte esperada em seis meses ou menos – (1) no Estado de Oregon, onde a eutanásia é proibida, o suicídio assistido foi aprovado pelo Death with Dignity Act (em 1994, tendo entrado em vigor em 1997) com critérios mínimos para que uma pessoa possa ter a prescrição da medicação que lhe provocará a morte (adultos que se encontrem mentalmente capazes, que sejam residentes no Oregon e que tenham diagnóstico de doença terminal que leve à morte em menos de seis meses); (2) no Estado de Washington, foi utilizada a mesma lei, permitindo facultar medicamentos letais a pessoas com doença terminal e com menos de seis meses de vida, sendo as próprias a realizar a administração e mediando quinze dias entre o pedido e a resposta (entrou em vigor em 2009); em Vermont (Patient Choice and Control at End of Life Act, 2013, com condições próximas das de Oregon e ajustamento a várias solicitações com prazos entre elas) e na Califórnia (End of Life Option Act, de outubro de 2015, para entrar em vigor em 2016).
Mais recentemente, nos Estados do Hawaii (Hawai'i Our Care, Our Choice Act, 2018), Maine (An Act to Enact the Maine Death with Dignity Act, 2019) e New Jersey (Aid in Dying for the Terminally Ill Act, 2019). No Estado de Montana, é uma opção individual que pode ser realizada, desde 2009, com autorização do Tribunal, que concede imunidade ao médico.
Na Áustria, desde 2022, a lei aplica-se a doentes com mais de 18 anos, em situação terminal ou que sofrem de uma condição permanente e debilitante. Cada caso deve ser avaliado por dois médicos, um dos quais terá de ser perito em medicina paliativa. Existe um período reflexivo obrigatório de 12 semanas. No entanto, se um doente for «terminal», o período pode ser até duas semanas mas o doente tem de elaborar diretivas antecipadas com um notário ou um defensor do doente antes de poder obter um medicamento letal de um farmacêutico (Federal Act on the Establishment of Dispositions on Dying Act).
Como começámos, apressar a morte pode ser resultado de suicídio ajudado ou de eutanásia - tema potencialmente fraturante, que se evidenciou neste mundo global do século XXI, associado à liberdade de escolha individual e frequentemente referido como necessidade de controlo sobre a sua vida. Ou melhor, sobre o seu fim de vida.