Nómadas digitais ajudam o interior, mas não resolvem o despovoamento
Os nómadas digitais poderão certamente ajudar a construir um «novo interior», mas duvido que venham a ser determinantes em termos da percentagem da sua população futura.
Na minha opinião, serão as atividades ligadas aos investimentos no território – como floresta, agricultura, ambiente, turismo, património cultural, etc. – as que terão maior potencial de geração de emprego local. Como os nómadas digitais trabalham remotamente para empresas com sedes e negócios no estrangeiro e em serviços ligados à área financeira, informática, design ou consultoria, têm total autonomia de escolha para viver numa cidade do litoral ou num território do interior. E, com salários bem acima da média, têm poder de escolha.
Os nómadas digitais podem representar, claramente, mais um contributo no combate ao despovoamento do interior de Portugal, mas não podemos de todo afirmar que são a solução dos problemas de desertificação do interior. É necessário um esforço conjunto por parte do governo, das autarquias locais, das empresas e das comunidades para criar as condições necessárias para o sucesso [da instalação destes trabalhadores digitais no interior do país].
Com um planeamento e investimento adequados – por exemplo em novas modalidades de alojamento coletivo: o «coliving» – os nómadas digitais podem ajudar a combater o despovoamento, revitalizar as economias locais e criar um futuro mais próspero para o interior de Portugal.
Será difícil e pouco provável que tal aconteça com dimensão e impacto. As grandes plataformas digitais de marketing e venda no setor do turismo são internacionais e o negócio digital local ligado ao turismo – conteúdos sobre alojamento, gastronomia, património, natureza, etc. – é limitado na dimensão do emprego.
Será necessário promover iniciativas com escala, certamente ancoradas nas autarquias, para oferecer condições e aumentar significativamente a atratividade do interior: o exemplo do que conseguiu a Câmara do Fundão na área do desenvolvimento de software é certamente um caso de estudo.
Absolutamente. E se falarmos de trabalho remoto não numa lógica de estadia temporária, mas de residência prolongada, o impacto é significativamente maior.
Esta nova forma de trabalho permite ter o melhor dos dois mundos: salários competitivos que geralmente estão associados a estas profissões e uma melhor qualidade de vida a custos bem mais reduzidos, particularmente a nível da habitação e educação.
Por exemplo, um casal jovem qualificado e bem remunerado dificilmente consegue comprar uma vivenda com espaço exterior num grande centro urbano ou na sua proximidade. Mas no interior do país, esta pode ser uma realidade ao seu alcance.
E se acrescentarmos a dimensão da acessibilidade – nomeadamente com o investimento estrutural da ferrovia – o impacto desta nova forma de trabalho pode ser decisivo para [a economia] do interior do país.
As condições de infraestrutura têm melhorado significativamente, em praticamente todos os aspetos, mas é sempre muito difícil ter o interior a competir com o litoral e os grandes centros – em especial no que respeita ao mercado de habitação, serviços de saúde, cultura e lazer ou ligações internacionais. O fator de aglomeração de população e riqueza é determinante.
Portugal reúne várias condições para atrair nómadas digitais, desde infraestruturas a baixos custos de vida, clima ameno, segurança e espaços de coworking muito diferenciados. No entanto, existem alguns desafios a serem considerados, como as infraestruturas de conectividade no interior do país que, apesar de significativamente melhores, não são ideais, ainda que os locais mais remotos sejam os procurados por nómadas digitais.
O mercado de habitação, nomeadamente a nível do arrendamento, é pouco dinâmico no interior, principalmente fora das cidades.
Em relação ao acesso a cuidados de saúde, seria igualmente importante ter um Serviço Nacional de Saúde mais ágil. E a oferta de ensino internacional em Portugal, principalmente fora das grandes cidades, é ainda limitada, o que pode ser um problema para famílias de nómadas digitais com crianças em idade escolar.