«Fé na esperança»
A partir de meados do século XV, os pintores dos Países Baixos deixaram de representar o presépio num estábulo ou numa gruta, passando a colocá-lo no meio de um edifício em ruínas, ou vários.
Com isso, pretenderam mostrar que, sobre os escombros de uma época antiga, marcada pelo paganismo ou pelas falsas crenças, o nascimento de Jesus assinalava o início de um tempo novo, radicalmente diferente. Cristo nascia, assim, não apenas no meio da pobreza, até então figurada através do estábulo e do berço de palha, mas entre ruínas e detritos, no seio da devastação e do caos.
No Renascimento, o simbolismo das ruínas foi levado ao extremo, como vemos em Adoração dos Magos, de Botticelli, pintado em 1470-1475, com Maria e o Menino cercados por uma multidão de gente, com a tela dominada pelos restos de um edifício clássico, provavelmente romano. Do mesmo autor, outra Adoração dos Magos, esta de 1475, e igualmente ruinosa, hoje patente nos Uffizi.
Na Natividade de Albrecht Altdorfer, pintada cerca de 1513, quase não vislumbramos José, Maria e Jesus, resguardados que estão atrás de uma periclitante parede de tijolos, que ameaça desabar sobre eles.
Noutra Natividade, do mesmo pintor, feita em 1507, um registo idêntico, noturno e sombrio, com seu quê de tenebroso, ameaçador.
Somos hoje confrontados, diariamente, com imagens de devastação e caos. Vindas da Ucrânia, do Médio Oriente ou de outros lugares de guerra, fotografias trágicas de edifícios esventrados, ruas inteiras em escombros, casas em queda iminente. Nos nossos dias, enquanto o mundo se desmorona, o simbolismo das ruínas adquire, assim, um outro e mais vasto significado, seja para os crentes, seja para os não-crentes. Nas pinturas de Botticelli ou de Altordfer, há ruínas e há catástrofe, mas há também esperança e há luz, e crença num tempo novo. Nem que seja por momentos – o breve instante desta quadra –, tenhamos fé na esperança, pois outra coisa não temos.
Boas Festas, um Feliz Natal.