Desejo para 2017: Portugal vai continuar na zona euro
A Fundação tem um novo ensaio: «O euro e o crescimento económico», escrito por Pedro Braz Teixeira. O coordenador da área de Políticas Sociais da FFMS, Pedro Pita Barros, escreve aqui sobre o ensaio e sobre as mudanças que a moeda única trouxe à economia portuguesa.
O começar de um novo ano é normalmente propício a antevisões e previsões. E nesses exercícios tem sido comum falar-se sobre o destino do euro. Será o próximo ano o último ano da moeda comum para várias economias europeias? Ou será que uma vez mais a zona euro, com mais ou menos sobressaltos, irá continuar a sua evolução? E será que Portugal vai ou não continuar no euro?
As respostas que são muitas vezes dadas a esta pergunta revelam mais sobre os desejos de quem responde do que são resultado de uma análise cuidada. O euro como moeda comum passou do campo meramente económico para um simbolismo político claro (que também esteve presente no seu nascimento, em rigor). Tornou-se um símbolo do processo de integração europeia.
Como os tempos de Portugal na construção da zona euro coincidiram com uma estagnação económica, tem sido corrente passar-se dessa coincidência para uma causalidade – a adopção do euro por Portugal conduziu ao período de estagnação económica. Dessa (pressuposta) causalidade, há quem salte para a conclusão de que abandonar o euro trará a prosperidade económica desejada. Há aqui então dois elementos centrais. A este respeito, sugiro a leitura do novo ensaio de Pedro Braz Teixeira para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, O euro e o crescimento económico, que aborda estas questões. Mesmo não concordando com todas as opiniões de Pedro Braz Teixeira, a leitura do seu texto traz alguma ordem à discussão.
Olhando para o primeiro elo da discussão, é necessário encontrar o que possa ser considerado como a contribuição do euro para a estagnação económica. Em termos temporais, o primeiro aspecto marcante de Portugal pertencer ao euro e do caminho de preparação para participar na nova moeda europeia foi a grande descida de taxas de juro que ocorreu. Essa descida das taxas de juro tornou mais fácil o crédito, quer das famílias quer das empresas. Basta pensar que num período relativamente curto a prestação mensal típica para aquisição de nova habitação caiu para um terço do que era.
Mas também o Estado teve fortes poupanças com pagamentos de juros. O contrair crédito em si mesmo não é mau, sobretudo se for crédito que permita investimento reprodutivo. Ora, se alguma coisa se revelou durante a primeira década e meia de Portugal no espaço euro foi a incapacidade de realizar bons projectos de investimento (ou de os levar até ao fim). Não houve uma disponibilidade para aproveitar um espaço europeu de consumidores com uma mesma moeda, e as empresas e o Estado voltaram-se para dentro, escapando à pressão de ter que produzir algo que os consumidores de outros países quisessem para trocar por aquilo que queríamos importar. Importámos a crédito, e não havendo retorno suficiente no investimento, acabámos anos mais tarde a vender ativos ao exterior (foi a partir deste momento que se tornou inevitável que grandes empresas portuguesas viessem a acabar a ser vendidas a estrangeiros).
Foi também no recurso a crédito fácil em utilizações e aplicações que em nada contribuíram para aumentar a produtividade nacional que se construiu a estagnação económica. E frequentemente a resposta empresarial à necessidade de maior produtividade, de maior competitividade, baseou-se frequentemente em fazer o mesmo com menos trabalhadores em lugar de aumentar o valor do que esses trabalhadores produziam (há ainda assim excepções, como a evolução de um sector tradicional como o calçado revela).
Mas nada disto garante que estando fora do euro tivesse sido melhor. É certo que se teria a capacidade de desvalorizar a moeda como forma de ganhar competitividade externa, mas o custo seria inflação interna, e não teria ocorrido a descida de taxas de juro. Também não é certo que as políticas macroeconómicas que fossem seguidas fora do euro evitassem problemas sérios nas contas públicas (aliás, basta relembrar que mesmo com moeda própria tivemos dois resgates internacionais).
Daqui também não se pode concluir que sair do euro nos trará crescimento económico invejável. Apesar de tudo, as regras europeias, que podem certamente ser aperfeiçoadas, constituem um referencial útil. E o próprio processo de discussão dessas políticas a nível europeu ajuda a melhorar as nossas políticas nacionais. Podemos discutir, e vai-se provavelmente fazê-lo durante muito tempo, se houve ou não austeridade a mais (e também aqui Pedro Braz Teixeira no seu livro faz uma boa discussão, incluindo o que se passou nos últimos anos no sistema bancário). Mas mesmo durante os tempos da troika, o empenho na mudança necessária foi muito variável (há uma diferença entre dizer que se cumpriu formalmente um compromisso assumido e operar uma mudança efetiva na forma de funcionamento das instituições e da economia).
Ou seja, não é nada certo que tenhamos tido transformações profundas na economia, ou suficientemente profundas para serem duradouras, e que uma saída do euro não levasse a mais, em vez de menos menos, problemas para a economia. Assim, olhando para os fundamentos da actividade económica, presente e futura, vejo como mais vantajoso Portugal continuar na zona euro, e aproveitar as suas oportunidades, do que sair. Misturando previsão com desejos, apesar dos problemas internos e dos problemas europeus, Portugal vai continuar no euro.
Pedro Pita Barros é o coordenador da área de Políticas Sociais da Fundação Francisco Manuel dos Santos e é também Vice-Reitor da Universidade Nova de Lisboa. É autor do ensaio «Pela sua saúde», publicado pela Fundação.
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.