O Estado por dentro
Em Portugal, o Estado e o seu aparelho tendem a ser retratados como um espelho de uma sociedade portuguea repleta de defeitos e vícios. As funções públicas são encaradas como um porto seguro a que se chega sobretudo por intervenção de um patrono e onde se pode permanecer, depois, por muitos e bons anos, aparentemente de forma despreocupada, beneficiando de um estatuto económico e social bastante razoável. O Estado tende a ser assim apresentado de uma forma monolítica que lhe atribui sempre a mesma identidade (e até uma certa aura de inefabilidade). Uma tal perspetiva acaba inevitavelmente por obscurecer o papel das instituições – das normas formais, dos procedimentos burocráticos, e dos mecanismos de disciplina e inculcação.
Resultado de uma colaboração entre a Fundação Francisco Manuel dos Santos e o SOCIUS – Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações (ISEG ULisboa), este estudo, coordenado por Daniel Seabra Lopes, apresenta os resultados do Projeto “O Estado por Dentro Uma Etnografia do Poder e da Administração Pública em Portugal (2015 2017)”. O presente estudo propõe uma visão alternativa do Estado, mais precisamente uma visão etnográfica, de três funções representativas do Estado:
- o poder político personificado nos deputados à Assembleia da República
- o poder judicial personificado nos magistrados ou oficiais de justiça de dois tribunais de primeira instância
- a gestão do ambiente levada a cabo pelos técnicos da Agência Portuguesa do Ambiente
Este estudo está dividido em três partes: uma primeira parte que inclui esta introdução, um capítulo de revisão de literatura e um capítulo metodológico, onde são apresentados, mais em detalhe, os métodos usados na presente investigação e as variantes de trabalho de campo a que ela deu azo; uma segunda parte composta por três capítulos empíricos, cada um deles dedicado a um terreno etnográfico (parlamento, justiça e gestão do ambiente, por ordem decrescente de soberania); e, uma terceira parte, que integra um capítulo de análise transversal onde são identificados pontos de convergência e divergência entre os três estudos, e uma conclusão geral que avança pistas para trabalhos futuros. A Fundação procura, assim, contribuir para alimentar novos estudos e debates profícuos acerca do Estado e dos processos organizativos que o atravessam.