Que soluções para a crise no imobiliário em Portugal?
A dinâmica dos preços imobiliários tem sido um fator determinante no agravamento das desigualdades em diversos países, incluindo Portugal, onde a valorização do mercado habitacional tem ultrapassado os aumentos salariais. Esta tendência repercute-se também no mercado de arrendamento, uma das principais fontes de rendimento para investidores imobiliários e um dos maiores encargos mensais para os arrendatários.
O rendimento familiar, o valor dos imóveis e o custo do financiamento são elementos cruciais que influenciam a participação no mercado imobiliário, seja na compra ou no arrendamento.
A valorização do mercado imobiliário em Portugal a partir de 2017 resultou numa deterioração da acessibilidade à habitação, tanto na compra como no arrendamento, particularmente nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Note-se que o rendimento necessário para adquirir uma habitação mediana aumentou consideravelmente nos últimos anos.
Do lado da procura houve alterações significativas na última década, especialmente em Lisboa e Porto, que aumentam fricções no mercado habitacional e pressionam preços.
Primeiro, houve uma restruturação familiar que contribuiu para o aumento do número de agregados familiares e a diminuição da sua dimensão. Refira-se que a evolução demográfica foi heterogénea em Portugal, com a população da área metropolitana de Lisboa a crescer 1,7%, enquanto a do Porto diminuiu 1,3%.
Segundo, verificou-se um aumento da procura de habitação por parte de estrangeiros em Portugal. Esse investimento é maioritariamente realizado por cidadãos europeus, que têm direitos estabelecidos e inalienáveis a nível nacional para aceder ao mercado, representando os vistos gold uma parte minoritária desse investimento. No âmbito fiscal, entre 2009 e 2020, houve um universo limitado de cerca de 52 mil beneficiários de redução de IRS através do estatuto de residente não habitual.
Terceiro, a utilização do parque habitacional, a partir de 2014, para atividades turísticas, como os alojamentos locais, foi um outro fator com impacto significativo nos preços das habitações (compra e arrendamento), especialmente em áreas turísticas.
Portugal, tal como vários países europeus, é um mercado com uma oferta inelástica, ou seja, em que esta pouco se expande em resposta às subidas de preços, tornando-os mais voláteis. A última década é marcada por uma diminuição na construção de novas habitações, em parte devido ao foco na reabilitação urbana, que é um processo mais demorado e complexo, às restrições financeiras no sector da construção e às marcas deixadas no sector pela crise financeira internacional de 2008-2009 e pela crise da dívida soberana em 2010-2012. Por outro lado, a baixa elasticidade da oferta de mercado em Portugal é também influenciada por vários factores fiscais e regulatórios:
- Lentidão dos processos e excesso de burocracia no desenvolvimento de projectos imobiliários;
- Instabilidade na regulação imobiliária, com frequentes alterações do quadro legal, gerando desconfiança e afastando potenciais investidores;
- Elevada carga fiscal no sector imobiliário;
- A exigência de um valor significativo de capitais próprios e as taxas de juro, que, após um longo período de valores reduzidos, estão desde o final de 2022 em níveis elevados não observados desde a crise da dívida soberana;
- Imprevisibilidade nos processos de licenciamento, devido à multiplicidade de normas e interpretações, criando incerteza aos investidores
Infelizmente, não existem soluções imediatas para o problema de acessibilidade, que previsivelmente continuará a agravar-se nos próximos anos. Lidar com este problema requer uma visão de longo prazo e exige uma abordagem que passa pelo desenho de políticas governamentais e municipais coerentes, bem como pelo desenvolvimento de projectos individuais.
Nesse sentido:
a) No curto prazo, a estratégia deve ser direccionada para políticas do lado da procura, que apoiem, num horizonte temporal limitado e definido, as famílias em situações mais vulneráveis, enquanto as bases da estratégia de médio prazo são implementadas e começam a surtir os seus efeitos.
b) No médio prazo, deve ser implementada uma estratégia assente na expansão da oferta efectiva, num aumento da sua elasticidade, num planeamento das cidades que queremos ter, numa política integrada de provisão de sistemas de transportes sustentáveis e de bens e serviços públicos, e providenciando qualidade habitacional aos cidadãos de forma sustentável, inclusiva, harmoniosa, acessível e com menor volatilidade de preços e rendas.
c) Relativamente a restrições de procura, medidas absolutas para limitar a procura quer no alojamento local quer por parte de estrangeiros não são eficazes nem desejáveis, devido, por um lado, à grande heterogeneidade espacial do alojamento local e, por outro, à incapacidade de implementar limitações à entrada de estrangeiros nos mercados de habitação e ao reduzido impacto que teriam essas limitações e correspondente alteração da fiscalidade específica.
*Os autores escrevem sem o Acordo Ortográfico