Que características têm os novos autoritarismos?
A Fundação partilha um excerto do novo livro «O Regresso das Ditaduras?» do cientista político António Costa Pinto, disponível na loja online da Fundação (link no fundo da página).
Independentemente das suas diferentes naturezas, as ditaduras contemporâneas apresentam alguns traços de continuidade e de mudança em relação ao passado. A personalização do poder é um elemento de continuidade. [...] De Vladimir Putin a Lukashenko, de Erdogan a Orbán, a personalização parece continuar a ser um universal dos regimes autoritários. Com reformas constitucionais à medida ou alteração de posição no sistema político (como no caso da Rússia), a cristalização do poder num ditador manteve‑se, e o dilema da sucessão permanece.
São regimes menos ideológicos do que os do passado. As ditaduras fascistas e comunistas impunham modelos ideológicos muito fortes, com instituições de socialização complexas e fortemente enraizadas na sociedade, e inimigos bem definidos. Outras tinham valores mais difusos mas importantes, que iam do reacionarismo de inspiração religiosa ao marxismo e ao nacionalismo. Se o nacionalismo está quase sempre presente, os novos regimes autoritários são bem menos ideológicos do que os do passado e o seu discurso legitimador aponta para a «ordem» e o «bem‑estar» da sociedade, com mais elementos miméticos das democracias. Muitas vezes o discurso associado ao crescimento económico e à melhoria das condições de vida da população é quase exclusivo, aproximando‑o dos regimes democráticos. No entanto, a construção de «inimigos externos» associados à comunidade internacional e suas organizações, bem como ao soberanismo são acionados com regularidade.
[...] As velhas ditaduras faziam escasso recurso a eleições semicompetitivas ou parcialmente livres, parlamentos com representantes das oposições, e liberalização de censuras prévias aos meios de comunicação social. As novas, sim. [...] Os regimes de partido único foram, em inúmeros casos, substituídos por regimes com um partido dominante bem entrincheirado no Estado. Por outro lado, as tensões em volta deste aumento do «pluralismo limitado» são também mais evidentes. Apesar da diminuição clara das pressões democratizadoras da comunidade internacional desde o início do século XXI, o escrutínio internacional sobre as eleições é hoje mais forte, e a incerteza introduzida pela sua realização para os ditadores é maior.
Independentemente das suas diferentes naturezas, as ditaduras contemporâneas apresentam alguns traços de continuidade e de mudança em relação ao passado. A personalização do poder é um elemento de continuidade. [...] De Vladimir Putin a Lukashenko, de Erdogan a Orbán, a personalização parece continuar a ser um universal dos regimes autoritários. Com reformas constitucionais à medida ou alteração de posição no sistema político (como no caso da Rússia), a cristalização do poder num ditador manteve‑se, e o dilema da sucessão permanece.
São regimes menos ideológicos do que os do passado. As ditaduras fascistas e comunistas impunham modelos ideológicos muito fortes, com instituições de socialização complexas e fortemente enraizadas na sociedade, e inimigos bem definidos. Outras tinham valores mais difusos mas importantes, que iam do reacionarismo de inspiração religiosa ao marxismo e ao nacionalismo. Se o nacionalismo está quase sempre presente, os novos regimes autoritários são bem menos ideológicos do que os do passado e o seu discurso legitimador aponta para a «ordem» e o «bem‑estar» da sociedade, com mais elementos miméticos das democracias. Muitas vezes o discurso associado ao crescimento económico e à melhoria das condições de vida da população é quase exclusivo, aproximando‑o dos regimes democráticos. No entanto, a construção de «inimigos externos» associados à comunidade internacional e suas organizações, bem como ao soberanismo são acionados com regularidade.
[...] As velhas ditaduras faziam escasso recurso a eleições semicompetitivas ou parcialmente livres, parlamentos com representantes das oposições, e liberalização de censuras prévias aos meios de comunicação social. As novas, sim. [...] Os regimes de partido único foram, em inúmeros casos, substituídos por regimes com um partido dominante bem entrincheirado no Estado. Por outro lado, as tensões em volta deste aumento do «pluralismo limitado» são também mais evidentes. Apesar da diminuição clara das pressões democratizadoras da comunidade internacional desde o início do século XXI, o escrutínio internacional sobre as eleições é hoje mais forte, e a incerteza introduzida pela sua realização para os ditadores é maior.
[...] A repressão é sempre um universal das ditaduras, mas as execuções e a criminalização política em massa (ou seja, chamada «repressão de alta intensidade») estão menos presentes. A mobilidade da população é maior e a sua integridade física é menos ameaçada. Quando existem modos mais violentos de repressão, utilizam‑se métodos mais clandestinos, sobretudo quando visam elites de oposição, como é o caso das execuções. O historial de envenenamentos e «desaparecimentos» bem conhecidos da opinião pública mundial está aí para o ilustrar. A repressão aberta das manifestações de desafeção é menor, utilizando expedientes administrativos para as limitar. Por sua vez, a repressão a ativistas da oposição é mais selecionada, evitando‑se a sua forma mais descontrolada, as prisões e os julgamentos políticos.
[...] Os principais meios de comunicação social, jornais e televisões, sofrem sobretudo um controlo económico indireto e autocensura, com ameaças, demissões forçadas de jornalistas, e até encerramentos em conjunturas críticas. De Singapura à Rússia, a autocensura é dominante. Mais complexo é o controlo das redes sociais, que passa por alguma diversidade, desde a sua «nacionalização» à mobilização de meios clandestinos de infiltração, informação e contrapropaganda nas redes. A admissão da censura pelos regimes é rara e, quando presente, legitima‑se na moral e no nacionalismo.
Os novos regimes autoritários têm um nível de integração maior nos mecanismos da economia de mercado. [...] Mesmo as ditaduras socialistas sobreviventes foram‑se adaptando ao capitalismo, ainda que o neguem formalmente. Os seus modos de dominação, no entanto, são mais propícios às intervenções ilegais do Estado, à corrupção, às nacionalizações ou privatizações erráticas, em benefício particular. A corrupção da elite política, ajudada pela fraca autonomia do judicial e pelo controlo da comunicação social, introduz também uma incerteza generalizada nas relações entre um Estado, na maioria dos casos capturado, e a sociedade.
A vaga populista de direita (mais ou menos radical) das últimas décadas e a chegada ao poder de alguns partidos e líderes, como, por exemplo, Orbán, na Hungria, Bolsonaro no Brasil, Trump nos EUA, ou o do Partido da Lei e da Justiça, de Kaczyński e Duda, na Polónia, têm levado muitos académicos e analistas a regressar a um conceito introduzido por Fareed Zakaria no final do século XX, o de «democracia iliberal». [...] Quais as características destes novos partidos, movimentos e líderes, que geralmente são definidos como populistas? A maioria dos estudiosos aponta para três traços distintivos: a oposição entre «o povo» e a «elite corrupta»; o discurso em nome do povo e da sua «vontade»; o facto de terem uma «ideologia fina», ou seja, sem coerência, eclética, e por vezes contraditória e mutante. O populismo repete enfaticamente o seu caráter democrático, ainda que aponte difusamente para regimes pessoalizados e plebiscitários, que ultrapassam as instituições políticas, sobretudo os parlamentos. As poucas experiências de governo populista nas democracias apontam para a sua tentativa (por vezes conseguida, como na Hungria) de limitar a independência do judicial, dos meios de comunicação social, e dos direitos individuais e de minorias.
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.