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Imagem Artigo regresso às aulas Paulo Guinote Setembro 2022

Os professores fazem falta?

No início de um novo ano letivo, Paulo Guinote defende que não há falta de docentes, mas sim falta de condições para os professores quererem continuar a dar aulas ou de ingressar na profissão.
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Depois de muitos anos a ouvirmos falar em excesso de professores, eis que, quase como se surgisse do nada, o último ano foi marcado pelo mediatismo da «carência de professores», ao verificar-se que algumas turmas ficaram sem professores durante todo o ano em algumas disciplinas e muitas mais durante vários e longos meses.

Quem surgisse por aqui apenas em 2022, poderia pensar que o problema é novo, inesperado e que se estão a procurar as melhores soluções para o resolver.

Nada de mais enganador, mas há «narrativas» que fazem o seu caminho na comunicação social sem o devido contraditório, por falta de competência ou vontade de muita gente que deveria ter o dever de informar e não apenas de replicar discursos truncados e propagandas demagógicas.

 

De forma muito breve, sem esgotar vagamente o assunto, vamos aos três pontos acima identificados.

1.O problema da falta de professores, em especial em alguns grupos disciplinares ou para assegurar a substituição de quem está de baixa médica, está longe de ser novo, pois já o experimentei como director de turma e encarregado de educação, mesmo antes da pandemia. Aliás, eu não hesitaria em apontar o ano de 2018 como aquele em que o problema se começou a notar de forma mais sensível no dia a dia das escolas.

O problema da falta de professores está longe de ser novo. O ano de 2018, foi aquele em que o problema se começou a notar de forma mais sensível no dia a dia das escolas.
Professor

2.Esta falta de professores está longe de ser algo imprevisível, pois resulta da combinação de um conjunto de factores que potenciaram três fenómenos com origem há 10-15 anos.

Em primeiro lugar, a proletarização da carreira docente acentuou-se com a conjugação dos novos mecanismos de progressão e os períodos de congelamento que fizeram os professores perder, em alguns casos, quase uma década em termos de ganhos salariais.

A isso somou-se uma progressiva burocratização da função, com novas tarefas a ser solicitadas, parte delas de tipo administrativo, em função da constituição de mega-agrupamentos e redução do pessoal de apoio administrativo às escolas.

Fazer matrículas, recolher manuais escolares, proceder a todos os registos (digitais e analógicos) da avaliação dos alunos (no final de período, de ano, em momentos intermédios) passaram a ocupar uma parte considerável do tempo dos docentes, sem qualquer ganho para as aprendizagens dos alunos.

Em segundo lugar, deu-se o natural envelhecimento que vai acrescentando anos de vida a todos nós, não apenas aos professores, com o consequente agravamento de algumas condições de saúde, física e mental, de quem tem uma profissão de desgaste intenso, mesmo que isso não seja legalmente reconhecido. O que implicou um maior número de baixas médicas, de duração mais ou menos prolongada.

Em terceiro lugar, foi sendo agravada a precarização das condições de trabalho dos professores contratados, com regras draconianas na contabilização das horas e dias de serviço para efeitos de remuneração, contagem de tempo na carreira e mesmo para efeitos da Segurança Social.

A juntar a epifenómenos com a realização de uma prova de acesso à docência para quem já tinha certificação profissional, este contexto levou a que milhares de professores com a dita certificação e anos de exercício docente, se afastassem de concursos para substituições em condições precárias e remuneração abaixo de outras profissões, mesmo não qualificadas, nas quais não se levam horas de trabalho para casa. Ou seja, não há falta de professores qualificados, mas sim de condições para que eles desejem manter-se ou regressar à docência.

Não há falta de professores qualificados, mas sim falta de condições para que eles desejem manter-se ou regressar à docência.
Professor

3.Por fim, para contrariar o que se começou a tornar por demais evidente (o ensino à distância durante a pandemia, permitiu «mascarar» temporariamente o que se passava), os decisores políticos consideraram que o problema seria a falta de candidatos aos cursos de formação inicial de professores e uma solução seria rever os critérios de habilitação para o exercício da docência, tornando as condições para o acesso aos mestrados profissionalizantes (ou menos do que isso em vários grupos disciplinares) uma nova modalidade de «habilitação suficiente» para dar aulas. Como se a criação de uma espécie de «professores mínimos» – recuperando práticas caídas em desuso há cerca de 30 anos – fosse a resposta certa para tornar atractiva a docência e não apenas mais uma medida demagógica e facilitista a fingir que resolve alguma coisa.

A criação de uma espécie de «professores mínimos» – recuperando práticas caídas em desuso há cerca de 30 anos – não é a resposta certa para tornar atractiva a docência.

Sejamos claros: a «falta de professores» não é exclusiva de Portugal e integra-se na tendência «transnacional» (um termo que fica sempre bem) de gestão dos recursos humanos na Educação em regime de low cost. Não foi exclusivo de qualquer tendência política, sendo transversal a diferentes opções políticas. Em Portugal, foi defendida por muita gente que agora aparece a querer apresentar «soluções» para os problemas que criou mas de que se desresponsabiliza, mesmo após anos de governação. Seria deprimente relembrar ainda a retórica do professor como mero «auxiliar das aprendizagens», como se o seu papel fosse dispensável nas salas de aula.

 

A verdade é que não existe falta de professores ou de profissionais habilitados para a docência, mas sim de condições para se querer (continuar a) ser professor. É o resultado de um já longo período de má gestão dos recursos humanos em Educação, alegadamente em nome de uma pretensa «boa governança». Houve quem, em devido tempo, avisasse para o que se estava a passar, mas o apelo exercido pelos favores só acessíveis a quem alinhasse com a narrativa oficial fez com que muito «especialista» preferisse garantir o subsídio, a nomeação, a creditação da formação remunerada, a uma análise objectiva do que se passava. Agora, que me desculpem, mas não me apetece ouvir-lhes as «soluções».

 

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