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«Os países com interesses geoestratégicos querem fazer exploração mineira no mar»

Entrevista a Telmo Morato, biólogo especializado em gestão de recursos marinhos e em ecossistemas do mar profundo e investigador do Instituto do Mar, nos Açores.
7 min

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A extracção de minérios das profundezas do oceano nunca esteve tão próxima como agora. “A tecnologia está quase pronta”, informa o biólogo perito em gestão de recursos marinhos Telmo Morato. E promete ser uma actividade lucrativa, porque “as concentrações de minerais no mar profundo são muito maiores do que nos depósitos terrestres”, diz o investigador do Instituto do Mar, nos Açores. Contudo, alerta, uma indústria mineira no mar profundo colocaria em risco os ecossistemas marinhos, ao “libertar matérias tóxicas para a coluna de água”, e teria “um efeito multiplicador nas alterações climáticas”. Apesar de os riscos para o ambiente serem “preocupantes” e do travão criado pela actual crise económica, o biólogo acredita que bastaria “uma estratégia geopolítica” para “acelerar o processo”.

 

É verdade que conhecemos melhor a Lua do que o fundo dos oceanos?

Sim, a topografia do mar é menos conhecida do que a da Lua e de Marte. O processo para conhecermos a topografia do mar é altamente dispendioso e moroso. Tem faltado tecnologia, navios e tempo de navio. Usam-se sistemas de sondagem multifeixe acoplados a navios, mas cada varrimento cobre apenas cinco quilómetros de largura e mil metros de profundidade. Já os satélites cobrem áreas muito maiores e conseguem dar-nos essa informação sobre a Lua e Marte.

 

Vai continuar a ser assim?

Não. Na realidade, tem-se avançado bastante no conhecimento do fundo do oceano. E perspectiva-se que nos próximos dez anos vamos reduzir substancialmente essa lacuna. Existem diversas iniciativas que querem mapear e identificar as comunidades biológicas que vivem no mar profundo. Um desses projectos é global e pretende saber, até 2030, quantas montanhas e planícies existem nos oceanos e onde se localizam. Numa segunda fase, o objectivo é perceber que espécies habitam as águas marinhas do mundo – mas este um processo muito lento, que possivelmente só dará resultados perto de 2050. Nos próximos quatro anos, vamos ficar a conhecer a topografia do oceano Atlântico graças ao projecto iAtlantic.

 

Portugal tem capacidade financeira para a exploração do fundo do mar?

Não. Não tem suficientes navios nem ROVs (Remotely Operated Vehicles) – pequenos robots ligados aos navios por um cabo, que cobrem mais quilómetros e recolhem mais informação do que um submarino tripulado. Nos Açores, temos apostado em sistemas de baixo custo e fáceis de operar, que possam obter resultados equiparáveis aos da tecnologia pesada e dispendiosa. No ano passado, desenvolvemos um sistema low cost que nos possibilitou recolher mais informação em 27 dias do que nos últimos 10 anos com os navios grandes. As tecnologias de baixo custo usamos têm demonstrado ser eficientes, mas não substituem as outras.

 

O que usaram na expedição que descobriu a nova fonte hidrotermal nos Açores?

O ROV Luso. E a fonte hidrotermal acabou por se chamar “Luso”. Apesar de ter sido uma surpresa, já sabíamos que aquela zona era conhecida por ser um banco de pesca relativamente importante. Tínhamos indicação de que as comunidades biológicas associadas àquela zona seriam altamente ricas e desconhecidas.

 

Porque é que foi tão importante encontrá-la?

Mostra bem como não conhecemos o nosso próprio “jardim”. Porque está muito próxima da nossa costa, a cerca de 80 milhas do Faial e das Flores. Além disso, é diferente de outras fontes hidrotermais que existem no fundo do mar. Distingue-se por ser pouco profunda (está a cerca de 500 metros), de baixa temperatura (aproximadamente 60 ºC) e com níveis de hidrogénio e de ferro elevados. Isto significa que há mais fitoplâncton, que atrai mais peixes pequenos, que aliciam mais peixes grandes, que por sua vez chamam mais golfinhos e baleias. No fundo, ajuda a explicar porque é que este monte submarino é um ponto importante de agregação de biodiversidade. Pode ser única ou existirem centenas ou mesmo milhares destas fontes hidrotermais espalhadas pelos Açores. Não sabemos ao certo, porque só se detecta com inspecções visuais.

 

É difícil colocar cientistas nas profundezas do mar?

Há submarinos tripulados que já desceram à Fossa das Marianas, a 11 mil metros de profundidade. A tecnologia existe, mas não é uma forma muito eficaz de se fazer a exploração do oceano. É extremamente caro e a cobertura espacial é reduzida. O que se tem usado é ROVs, que também têm limitações. Em teoria, com os submarinos autónomos não tripulados – ou Autonomous Underwater Vehicles (AUVs) – é que começaríamos a ter uma cobertura espacial e uma quantidade de informação muitíssimo valiosa.

 

O que é que podemos encontrar no mar profundo?

O mar profundo encerra muitas espécies que ainda são desconhecidas. Deveria ser um desígnio da Humanidade querer conhecê-las todas, e tentar conservá-las. Além disso, o mar profundo dá muitos serviços. Por exemplo, as suas comunidades de corais têm um papel fundamental na sequestração de CO2 e na regulação climática. Descobrimos que algumas espécies que habitam o mar profundo vivem até 5 mil anos. E hoje sabe-se que os corais, as esponjas e outras comunidades associadas a fontes hidrotermais poderão conter compostos interessantes para a Medicina, a cosmética, entre outras áreas.

 

Foram identificados minerais raros com potencial comercial, no fundo do mar?

Sim. Existem essencialmente três tipos conhecidos de recursos minerais com potencial comercial: os nódulos de manganês, que existem nas planícies abissais a mais de 4/5 mil metros de profundidade, com grande concentração no Pacífico; os sulfuretos polimetálicos, associados às fontes hidrotermais, que existem sobretudo nas cristas médio-Atlânticas – incluindo os Açores; as crostas de ferro-manganês, associadas a montes submarinos, que também poderão existir em alguma quantidade na Zona Económica Exclusiva de Portugal e na plataforma estendida.

 

Quais seriam as finalidades desses minerais?

Essencialmente são usados nas novas tecnologias, nos smartphones e nas baterias. Mas também estão associados a materiais de guerra.

 

Que países estão mais interessados em tornar a exploração mineira do fundo do mar uma realidade?

Sobretudo países asiáticos, como o Japão, a Coreia e a China. E os EUA. No fundo, são os países com interesses geoestratégicos que querem ser os primeiros a fazer exploração mineira no mar profundo. Como os americanos fizeram com a bandeira dos EUA na Lua.

 

Seria uma actividade rentável?

Sim, porque as concentrações de minerais no mar profundo são muito maiores do que nos depósitos terrestres. A tecnologia está quase pronta. Embora a presente situação económica não pareça favorável, uma estratégia geopolítica poderia acelerar o processo.

 

A concretizar-se, teria consequências negativas para os ecossistemas marinhos?

As nossas simulações em laboratório revelaram que essa actividade poderá libertar matérias tóxicas para a coluna de água. A dispersão horizontal das partículas tóxicas é na ordem dos 100 quilómetros e na vertical é de mil metros. As substâncias seriam absorvidas pelos corais e esponjas do mar profundo, chegariam à superfície e afectariam a cadeia alimentar. É altamente preocupante.  

 

Poderia acelerar o processo das alterações climáticas?

Sim. Teria um efeito multiplicador nas alterações climáticas, visto que estas comunidades (os corais e as esponjas do fundo do mar) fazem a sequestração do dióxido de carbono. E os estudos já mostram que o mar profundo do Atlântico Norte vai deixar de ser adequado para a existência de várias espécies, independentemente de haver exploração mineira. Também haverá uma deslocação das espécies de peixes com interesse comercial do mar profundo para os pólos, em busca de ecossistemas mais estáveis. As alterações climáticas são a grande ameaça para o mar profundo e para os oceanos, em todo o mundo.

 

Portugal conhece bem o mar sob a sua jurisdição, para poder protegê-lo melhor?

Toda a investigação feita no mar dos Açores – que é a realidade que conheço melhor – baseia-se em projectos de investigação aos quais os investigadores se candidatam individualmente. Não é com investigadores precários e bolsas de dois ou três anos que se atingem objectivos. Se os oceanos são um desígnio de Portugal, as medidas têm de incluir massa crítica nova, meios tecnológicos actualizados e uma estratégia de longo prazo. Caso contrário, não passamos das palavras bonitas.

 

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O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor

Portuguese, Portugal