Os Estados Unidos vão entrar em incumprimento?
O tecto de dívida dos Estados Unidos é um processo para regular o montante de dívida que pode ser emitida pelo estado federal. Este limite é aprovado pelo Congresso e foi atingido em Janeiro deste ano. Neste momento estão a ser implementadas medidas extraordinárias para evitar falhas de pagamentos, mas que se deverão esgotar entre Junho e Setembro de 2023. Nessa altura os Estados Unidos poderão entrar em incumprimento técnico de compromissos já feitos, seja de pagamentos da dívida, de pagamentos de salários, ou transferências da segurança social.
À partida parece sensível ter um sistema para controlar o nível de endividamento do Estado. A existência de dívida excessiva pode ter custos para a economia. No entanto, o processo nos Estados Unidos é bizarro porque a responsabilidade cai toda sobre o mesmo órgão legislativo. É o Congresso que autoriza a despesa do Estado. O Congresso determina também o nível de receitas ao decidir as taxas de impostos e o financiamento da agência de tributação. Se não há receitas suficientes para cobrir os gastos já aprovados, o responsável é o Congresso. No entanto, é o Congresso que tem de aprovar a possibilidade do Estado emitir mais dívida.
Este sistema parece absurdo do ponto de vista económico, mas não tem sido um problema. O tecto de dívida já foi alterado inúmeras vezes. No entanto, é cada vez mais controverso por motivos políticos. Nenhum partido quer ser responsável pelo aumento do tecto de dívida e alguns membros do Congresso vêm esta oportunidade para sinalizar ao público que são fiscalmente responsáveis, ignorando a contradição de que os gastos (e as receitas) já foram aprovados em leis pelo Congresso.
Se os Estados Unidos falharem pagamentos de dívida (ou de outros compromissos) isto poderia levar a um aumento dos juros da dívida pública americana. Esta dívida é vista como o activo mais seguro na economia mundial. Se os juros deste activo subirem, todos os outros juros de todos os outros activos poderão igualmente subir. Isto afectaria os juros da dívida pública de países como Portugal, mas também os juros do crédito ao consumo ou ao investimento privado, como por exemplo, financiar a compra de uma habitação. Numa altura em que os juros já estão a subir por causa da resposta dos bancos centrais à inflação, isto poderá aumentar ainda mais os custos de financiamento, e duma forma imprevisível, podendo contribuir para a desaceleração da economia mundial.
Os Estados Unidos vão entrar em incumprimento? O mais provável é que não. Mas a incerteza associada já está a causar danos económicos. Os juros dos títulos de dívida americanos com pagamentos para além de Setembro estão a subir. Empresas e famílias por todo o mundo poderão esperar pela resolução deste impasse antes de emitirem dívida ligada a taxas de juro de referência que poderão ser afectadas pelos juros da dívida pública norte-americanos. Para além dos custos financeiros, a instrumentalização política de restrições orçamentais arbitrárias vai erodir ainda mais a confiança nas instituições públicas, o que perturbará o funcionamento geral das economias.
*O autor escreve sem o Acordo Ortográfico.