«Considero-me Português»
O sotaque a falar a língua de Camões revela rapidamente as origens do designer Sam Baron, nascido em França no ano de 1976. Mas ao longo de uma conversa de mais de meia hora fica claro que adoptou Portugal não só como país de residência: «Na minha alma, considero-me Português». Vive no País há mais de 20 anos e defende que o nosso pequeno rectângulo tem de se valorizar mais: «O turismo não é a galinha dos ovos dourados», alerta. Há mais formas de dar a conhecer Portugal ao Mundo, diz, e uma delas deve passar pela Educação: «Portugal é um destino extraordinário para os alunos do programa Erasmus».
Em 1995, vim de férias.
Não sabia muita coisa. E o pouco que sabia tinha sido através do contacto com alunos do programa Erasmus, que estavam a estudar na mesma Faculdade que eu em França. Mas falávamos sobretudo das diferenças culturais no âmbito do trabalho artístico. O que contavam não era propriamente um postal do país deles.
Obviamente que mudou. Mudou e eu acompanhei essas mudanças. Em 1999, voltei para participar na Bienal de Design e consegui uma residência artística no âmbito do programa do Ministère de l’Europe et des Affaires étrangères, de França. Foi nessa altura que fiz o meu primeiro projecto com a Vista Alegre. Desde essa época que Portugal se tornou a minha segunda terra; no caso, por adopção.
Claro que sim. Cada país tem uma maneira própria de trabalhar. Há diferenças culturais desde o processo de concepção, de geração de ideias, à produção. Portugal tem uma escala reduzida, e não «se vende» muito bem. Mas tem uma diversidade de indústrias interessante, e, dentro de uma escala nacional, boas capacidades de produção e vontade de fazer. Tem produtos com qualidade. Talvez a maior dificuldade que se encontra em Portugal seja a nível comercial e de divulgação.
Penso que já tem, sim. Já é a terceira geração de designers portugueses que actuam no mundo do Design. Os portugueses têm uma maneira própria de abordar o design. Conseguem ver a ponte entre o projecto e a produção. Analisam muito bem o contexto, e são criativos nas maneiras de introduzir ideias novas e de concretizar projectos.
O nível de ensino em Portugal é muito bom, pelo menos na área das Belas-Artes, que é a que conheço melhor. Mas acho que hoje em dia está cada vez mais difícil para os professores e para as instituições. Há menos recursos, financeiros e humanos. Os professores têm imenso trabalho e tentam fazer o melhor que podem. Mas precisam de ter mais tempo livre para poderem idealizar ou procurar projectos e fazerem contactos com outras instituições a nível nacional e internacional. É preciso acreditar-se muito na importância da Educação para se ser professor em Portugal, neste momento, e continuar a desempenhar a profissão com sentido de missão e paixão. Porque é uma profissão muito, muito desgastante. Não sei se aguentaria dedicar-me exclusivamente ao ensino, aqui. Mesmo com a maior boa-vontade dos professores, há muitas limitações.
Sim, acho que sim. Mesmo a nível nacional seria importante o país estimular os contactos entre diferentes escolas, faculdades, universidades, e fazer uma ponte entre o ensino e as empresas, a indústria, os museus e as galerias de arte. Os esforços não se devem focar apenas na internacionalização, porque lá fora é que é bom. Não concordo com isso. Acho que se devem reforçar as colaborações cá dentro. Mas para isso volto a dizer que os professores precisam de tempo, tempo para fazer contactos e angariar fundos. É fundamental dar aos alunos as ferramentas necessárias para conseguirem ingressar no mercado de trabalho quando terminam os estudos. Deve ser-lhes dada a possibilidade de se confrontarem com a realidade do mercado antes de terminarem o curso. E isto é uma coisa que muitas universidades estrangeiras já fazem. É uma pena, porque os alunos portugueses têm muito bom nível. Podia haver uma iniciativa como a Fabrica, em Portugal.
Sempre gostei dos alunos portugueses que tive na Fabrica. Conseguiam medir-se a um nível internacional desde o primeiro dia – eu podia ver isso claramente, porque recebia alunos do mundo inteiro. Os portugueses distinguiam-se pela curiosidade e pela notável facilidade de adaptação a novas realidades, novas línguas, novos contextos. Esta é uma maneira de ser e de estar em que a cultura portuguesa se desmarca imenso. Acho uma característica muito portuguesa, essa de se mandar para a frente. E parece haver qualquer coisa de orgulho português, que é: «Já que estamos fora, vamos brilhar».
Agora o formato mudou, mas, no meu tempo, a Fabrica era um centro de residências artísticas, em Itália, que recebia por um ano pessoas da área do design, da música, todo o tipo de domínios artísticos. Chegavam-nos 1200 portefólios e só havia 30 a 50 vagas, por ano. Na Fabrica, escolhíamos as pessoas pelo seu portefólio, pelas ideias, pela personalidade criativa.
Acho que é isso que falta em Portugal: uma bolsa para empresas portuguesas que queiram desenvolver projectos criativos. Seria fantástico se alguém pudesse receber uma bolsa para trabalhar durante uns meses numa empresa de cerâmica nas Caldas da Rainha, por exemplo. Esta ligação entre o ensino, a indústria, a cultura, até a geografia, é o que está a faltar. Portugal é um país tão rico em termos de savoir faire e de diversidade de indústrias.
Em termos de produtos, lembro-me sempre dos tapetes de Arraiolos, que é uma técnica portuguesa e que poderia ser mais bem exportada se eventualmente fosse trabalhada de forma diferente. De marcas, associo sempre a Vista Alegre, claro, e depois a Branca, a Vicara, a Tasco, a UTIL. Estas últimas já são marcas mais da nova geração de designers portugueses, que são os próprios a fazerem os produtos. É a única maneira.
Lindo, porque é. Depois que é um país que está a aprender, no sentido positivo. Entre outras coisas, a aprender a lidar com o turismo e a saber acolher estrangeiros. Está a aprender que, embora este sector seja importante para a economia do país, o turismo também pode estragar um pouco o país. É preciso ter cuidado para o país se manter interessante a vários níveis: turístico, mas também culinário, cultural, produtivo, educativo. Mas Portugal é um destino extraordinário para os alunos do programa Erasmus. E é um facto que a maneira de acolher dos portugueses é mesmo única. Mas isto tem de ser preservado.
No sentido de ter tanta vontade de acolher e de mostrar o melhor que, de vez em quando, não se presta a devida atenção àquilo que é realmente diferente em Portugal e que seria, talvez, mais ou igualmente interessante de comunicar. O turismo não é a galinha dos ovos dourados. Isto de permitir que surjam tantos alojamentos turísticos desfigura as cidades. Foi o caso de Barcelona, que se transformou num gigantesco centro de acolhimento de turistas. Barcelona ainda tem pinta e o seu interesse, mas quem lá nasceu provavelmente já não vive lá. Acho que é neste sentido que Portugal está a aprender, porque durante muito tempo não tinha essa percepção.
Por acaso Paris teve de regular rapidamente esta forma de turismo, em que cada apartamento no centro da cidade é alugado a estrangeiros. Qual é o interesse de visitar um bairro onde já não vive população local e onde os cafés são só para hipsters? Interessante é visitar bairros onde a população local desfruta dos espaços e tem capacidade económica para fruir da zona onde vive.
Na minha alma, sim. Defendo Portugal. Só que não consigo enganar ninguém quando começo a falar Português [risos]. Foi muito difícil aprender a língua, porque a musicalidade é diferente do Francês, do Espanhol, do Italiano, do Alemão ou do Inglês. Impõe um tempo de adaptação.
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor
Veja o Fronteiras XXI “Portugal no Mundo”, dia 29 de Setembro, às 22h30, na RTP3