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Cigarro

7 Perguntas sobre o cancro do pulmão

“A prevenção continua a ser a arma mais eficaz contra o cancro do pulmão. Cerca de 85% dos casos são reflexo dos hábitos tabágicos, os restantes serão azares de genética e exposição ambiental (onde o tabaco também entra). É mesmo uma questão de estilo de vida: as pessoas podem evitar ter este tipo de cancro se não fumarem."
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Atualmente, não existe um tratamento eficaz para 70% dos casos de cancro do pulmão. Teresa Almodovar, pneumologista no IPO de Lisboa e presidente do Grupo de Estudos do Cancro do Pulmão (GECP), diz por isso que «a prevenção continua a ser a arma mais eficaz contra este tipo de cancro». A especialista frisa que «85% dos casos são reflexo dos hábitos tabágicos». Descubra o que está a ser feito no combate a esta doença e como o estilo de vida pode ser a resposta para travar a mortalidade até haver uma cura.

Porque é que o cancro do pulmão ainda é dos que mais mata, no mundo e em Portugal?

Uma das razões é pelo diagnóstico tardio. Quando este tipo de cancro é diagnosticado, cerca de 70% dos casos não têm já condições cirúrgicas ou de terapêutica curativa (radioterapia ou quimioterapia). E, ao contrário do cancro da mama, ainda não há tratamentos que permitam uma sobrevida grande quando o cancro do pulmão já está numa fase avançada.

Até há cerca de 5 anos, a terapêutica para estes cancros era a quimioterapia. De há 5 anos para cá, pode fazer-se imunoterapia. No entanto, só uma pequena percentagem dos doentes responde bem a esta terapêutica e consegue ter uma boa taxa de sobrevivência. Por outro lado, há as chamadas terapêuticas alvo que nos permitem tratar estes doentes num estadio avançado de uma forma menos tóxica e que lhes permite sobrevivências maiores. Mas quando falamos em sobrevivências maiores significa que os doentes estão vivos passados uns quatro anos nas terapêuticas alvo e menos do que isso na imunoterapia.

Mesmo quando o cancro do pulmão é diagnosticado precocemente, e ainda é possível fazer cirurgia, a eficácia da terapêutica (quimioterapia e/ou radioterapia) tem uma curta duração – porque a doença volta.

Porque é que o diagnóstico acontece numa fase tardia desta doença?

Porque é uma doença relativamente assintomática até uma fase bastante avançada e os sintomas confundem-se com os da bronquite crónica: tosse, catarro, cansaço. Este cancro aparece frequentemente em doentes que já têm bronquite crónica, porque são fumadores. O tabagismo é a principal causa da bronquite crónica e do cancro do pulmão.

Além disso, ainda existe um grande estigma social sobre o cancro do pulmão. Nós somos uma sociedade judaico-cristã, onde o sentimento de culpa tem muito peso. Penso que isso contribua para que muitas pessoas não vão ao médico procurar ajuda.

Há também uma outra questão. É que, embora o cancro do pulmão seja transversal a todos os estratos socioeconómicos, existe um grande número de doentes oriundos de meios mais desfavorecidos e com problemas de inserção social. Tudo isto leva a que a pessoa não se queixe mesmo tendo sintomas.

Antes da pandemia da Covid-19, havia um intervalo de quatro meses entre o aparecimento de sintomas e a referência a um centro de diagnóstico/tratamento de cancro do pulmão.

Todos estes factores contribuem para que o diagnóstico seja feito tardiamente.

Há alguma estratégia para tentar diagnosticar este cancro mais precocemente?

Não existe uma estratégia de diagnóstico precoce. Mas há estudos que mostram de forma inequívoca a importância de a população de risco fazer rastreio de cancro do pulmão. Se não fosse a pandemia da Covid-19, que teve um grande impacto no diagnóstico das doenças pulmonares, talvez já tivéssemos dado mais passos na aplicação desta estratégia de diagnóstico precoce.

A percentagem de pessoas diagnosticadas num rastreio é sempre muito baixa e há sempre falsos positivos e falsos negativos. Ainda assim, está demonstrado que este esforço diminui o número de mortes por cancro do pulmão e aumenta a sobrevivência.

Há ainda outros factores a ter em conta quando se fala de um rastreio do cancro: a toxicidade de fazer muitos exames (nalguns casos invasivos), a toxicidade financeira, e a toxicidade psicológica. Todos estes factores devem ser considerados quando se implementa um programa de diagnóstico precoce.

Vão surgir mais casos de cancro, agora que a pandemia está mais controlada e as pessoas voltaram a ter acesso a cuidados de saúde primários?

Esse é um problema que é muito questionado. No caso do cancro do pulmão, a pandemia prejudicou os resultados positivos que estávamos a ter: mesmo sem rastreio, as pessoas sobreviviam mais e melhor à doença. Em pouco mais de uma década, tínhamos passado de uma sobrevivência do cancro do pulmão de 5% para 18% após os 5 anos de diagnóstico.

A quebra na mortalidade por cancro de pulmão que estávamos a observar nas duas primeiras décadas deste século são reflexo das campanhas de cessação tabágica feitas no final dos anos de 1980 e 1990. Observou-se uma redução da incidência importante, sobretudo nos homens.

A prevenção tem um papel importante na luta contra o cancro do pulmão?

A prevenção continua a ser a arma mais eficaz contra o cancro do pulmão. Cerca de 85% dos casos são reflexo dos hábitos tabágicos, os restantes serão azares de genética e exposição ambiental (onde o tabaco também entra). É mesmo uma questão de estilo de vida: as pessoas podem evitar ter este tipo de cancro se não fumarem. O tabagismo também tem um impacto directo nas doenças cardiovasculares, nas doenças respiratórias e noutros tipos de cancro (nariz, pescoço, esófago, bexiga, entre outros).

Há duas formas de prevenir o cancro do pulmão: as pessoas não começarem a fumar e as pessoas deixarem de fumar. Os efeitos benéficos da cessação tabágica começam imediatamente. Em termos de prevenção secundária, o deixar de fumar, penso que estamos muito bem organizados em Portugal. Temos consultas especializadas ao nível dos cuidados de saúde primários e em todos os hospitais.

Penso que a prevenção primária, evitar que a juventude fume, é que tem contornos mais complexos. Exige decisões pouco populares, mas que são importantes para a população. Por exemplo, a Nova Zelândia decidiu que as pessoas nascidas depois de 2008 nunca vão poder comprar tabaco legalmente.

De resto, todas as campanhas de mentalização das pessoas são importantes, porque é muito difícil mudar os hábitos das pessoas.

Que avanços podemos esperar no diagnóstico e no tratamento do cancro?

Já estão a surgir quer novas formas de diagnóstico quer novas terapêuticas.

Há avanços tecnológicos nos exames de imagem que nos permitem diagnosticar tumores mais pequenos do que anteriormente, através do PET (Tomografia por Emissão de Positrões) e das novas TAC (Tomografia Computorizada). Uma das coisas mais fantásticas em termos de tecnologia de imagem é uma nova ecografia, chamada EBUS (Ecografia endobrônquica), que permite a pesquisa de células dentro do brônquio (no caso do cancro do pulmão). E o maior acesso a estas tecnologias permitirá não só aumentar o diagnóstico precoce como melhorar o processo de decisão sobre a terapêutica óptima. É fundamental saber-se exactamente onde o cancro está, o seu tamanho e extensão para se escolher a terapêutica médica.

O cancro no seu todo e o cancro do pulmão em particular têm beneficiado imenso da inteligência artificial. Os exames de imagem têm uma qualidade muito melhor por causa das novas competências dos computadores. E isto permitiu avanços no diagnóstico e tratamento do cancro.

Outro aspecto que está a progredir é a maior interdisciplinaridade entre as várias especialidades médicas.

Porque é que ainda não se encontrou uma cura para o cancro?

Nós já curamos alguns tipos de cancro, mas esquecemos-nos disso porque queremos sempre mais. Já curamos as doenças hemato-oncológicas: as leucemias, os linfomas. Curamos, porque os tumores líquidos estão 20 anos à frente dos sólidos.

No entanto, a complexidade do cancro é um desafio. E penso que o cancro do pulmão seja dos mais complexos. O cancro reflecte de uma forma patológica o órgão de onde vem.

O cancro começa quando uma célula de um órgão ou de um tecido não se diferenciou para o que devia fazer nem se auto-matou (as células matam-se quando já não prestam). Ou seja, é inútil, ocupa espaço, e se continuar a crescer torna-se prejudicial. Mas as vias pelas quais a célula se desregula estão associadas à heterogeneidade do órgão onde estava. São múltiplas. Se houvesse só uma via de desregulação das células, já tínhamos curado o cancro.

Ainda não conseguimos perceber porque é que uma célula deixa de funcionar como deve de ser. Mas há muita investigação nesta área. Penso que estamos no bom caminho.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor

 

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