2030
Perguntam-me se estamos melhor do que em Maio de 2017, imediatamente antes de um mês excepcional no que diz respeito aos fogos.
A resposta curta é que sim, estamos melhor, mas isso é irrelevante para a probabilidade de em 2030, mais ano, menos ano, termos a repetição de 2003 e 2017 no que diz respeito à dimensão trágica dos fogos.
Estamos melhor porque melhorámos qualquer coisa no combate, introduzimos mais conhecimento e profissionalização, do que resultam melhores resultados em fogos médios e grandes, desde que as condições meteorológicas não sejam extremas.
Também estamos melhor porque deixámos de negar a importância do fogo nas nossas paisagens e aumentámos o uso do fogo, para além de aumentarmos, embora marginalmente, os apoios para usos do território que podem gerir combustíveis, como a pastorícia ou a resinagem.
E estamos ainda melhor porque passámos a procurar maneiras de pagar a gestão de serviços de ecossistema aos proprietários, desenvolvendo alguns modelos experimentais para levar isso à prática.
Não estamos melhor no mito de que se mudarmos as espécies que usamos na produção florestal isso contribui para alterar o padrão de fogo de forma relevante.
Infelizmente, no essencial, estamos na mesma e sermos mais eficazes no combate, sem ao mesmo tempo gerirmos seriamente a acumulação de combustível, agrava o problema, não o resolve.
O nosso padrão de fogo tem a sua origem num problema de competitividade económica: a gestão do território, na larga maioria da sua extensão, não gera retorno suficiente e, consequentemente, o abandono e sub-gestão são dominantes, o que permite a acumulação e continuidade do combustível.
Este é o problema central a que deveríamos estar a dar resposta.
A resposta clássica dos técnicos florestais é a de que temos de valorizar a produção florestal, o que está associado a um conjunto de mitos sobre melhorias técnicas e de gestão que tornariam rentável a actividade de produção florestal, hoje deficitária.
Boa parte das medidas de melhoria de gestão técnica defendidas teriam de ser precedidas por uma reforma da propriedade rústica, condição sine qua non amplamente referida como essencial para a gestão sustentável do território.
Para além das dificuldades sociais de uma reforma da propriedade, esta ideia carece de demonstração empírica já que a maior parte do Valor Acrescentado Bruto florestal provém da região do minifúndio e as propriedades de dimensão considerada adequada, em que se incluem propriedades públicas e baldios, não demonstram diferenças de rentabilidade relevantes em relação ao resto do território.
Ou seja, há com certeza melhorias potenciais nos mercados – por exemplo, o mercado da fileira do eucalipto é praticamente um duopólio de dois grupos industriais com integração vertical, o que lhes confere um peso negocial claramente assimétrico em relação aos produtores florestais – mas essas melhorias serão sempre muito limitadas às fileiras para as quais existem mercados com algum dinamismo.
Sobram, pois, dois outros instrumentos para potenciar a gestão do território:
a) O pagamento dos serviços de gestão dos ecossistemas através dos impostos;
b) A filantropia.
O primeiro daria, por si, um novo artigo e não cabe aqui o que teria a dizer sobre o assunto.
Quanto ao segundo, também daria pano para mangas talvez valha a pena referi-lo no contexto da acção filantrópica de uma grande empresa portuguesa. É bom, é positivo, que empresas lucrativas entendam que parte da devolução à sociedade dos seus ganhos possa ser feita através do apoio a modelos de gestão que possam dar resposta ao problema do fogo.
Mas acredito que o financiamento de grandes projectos irrepetíveis, escolhidos de forma arbitrária, mais a mais assentes no mito de que a alteração da composição específica do coberto vegetal é uma boa contribuição para a gestão do fogo, não é a forma mais eficaz de envolver a filantropia num esforço colectivo de remuneração da gestão dos serviços de ecossistema.
Preferia um modelo aberto de financiamento de ideias, em função do seu potencial de gestão concreta do território e da sua replicabilidade enquanto instrumentos de remuneração da gestão das terras marginais, isto é, da gestão que os mercados não financiam.
Montantes anuais relativamente modestos (500 000 mil euros?), poderiam ter um efeito enzimático interessante, quer na mobilização de mais recursos filantrópicos, quer no aumento das oportunidades de gestão que permitissem gerir o fogo.
Se os mercados fossem melhorados, se o Estado decidisse pagar de forma mais consistente a gestão dos serviços de ecossistema, se a filantropia aumentasse e se orientasse para o financiamento da gestão das terras marginais, talvez em 2030 estivéssemos mais preparados para gerir o inevitável fogo das situações meteorológicas extremas.
Doutra forma, não vejo razões para acreditar que 2030, mais ano, menos ano, não tenhamos uma tragédia semelhante às anteriores.
Henrique Pereira dos Santos é autor do livro «Portugal: Paisagem Rural», publicado pela Fundação.
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.