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Um ano com expetativas mínimas

Um ano com expetativas mínimas

O professor Paulo Guinote explica porque começou o ano lectivo com expectativas mínimas, ainda mais baixas do que tem sido habitual. Leia esta crónica.
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Parece uma aborrecida recorrência ler professores a queixar-se no arranque de um novo ano lectivo. Parece fazer parte de um cenário demasiado conhecido e gasto, que não traz novidades e cada vez menos consegue atrair a simpatia de quem lê. Compreendo isso.

Mas a verdade é que, na perspectiva de grande parte da classe docente, os últimos quinze anos não trouxeram especiais motivos de entusiasmo e felicidade, apesar das aparentes mudanças na matriz ideológica dos responsáveis por esta área da governação.

Feita a ressalva a abrir, em parágrafo onde já se sente algum desânimo, gostaria de passar a explicar porque arranquei o novo ano lectivo com expectativas mínimas, ainda mais baixas do que tem sido habitual, antes de finalizar com um espírito que anuncio desde já mais positivo, de acordo com o espírito dos tempos que nos aconselha a tentar ser felizes, não interessa como.

Apesar do recente anúncio de que a pandemia está controlada, nas escolas, nas salas de aula, continuamos a funcionar em estado de relativa excepção, naquele modelo português suave em que se leva quase tudo a sério, mas com a arte e o engenho de contornar as condições concretas com que nos deparamos.

O que significa que temos recomendações da D.G.S. que ora chegam agora, ora não chegam, ora dizem que é para manter tudo como estava, ora que é preciso aligeirar o ambiente.

O que significa que devemos arejar as salas, abrindo janelas, mesmo que isso signifique acompanhar as estações ao vivo, com vento, frio e chuva no Inverno e sol e calor inclemente no Verão. Que devemos recorrer a meios digitais para cativar os alunos, mesmo se a luminosidade ambiente impede que eles vejam em condições a tela branca ou o alvo quadro que em tempos foi interactivo, mas espera manutenção. Que devemos fazer algo, quando aquilo de que dispomos é o seu contrário.

Apesar do recente anúncio de que a pandemia está controlada, nas escolas, nas salas de aula, continuamos a funcionar em estado de relativa excepção.
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Espera-se e deseja-se que este ano seja o do regresso pleno ao ensino presencial. Pelas razões certas – é de muito longe o melhor método para o trabalho pedagógico, ao contrário do que muitos disseram anos a fio, acusando-o de tradicional – mas também pelas razões erradas – porque ao fim de ano e meio não se conseguiu garantir quem um ensino não-presencial ou híbrido tivesse condições equitativas de funcionamento.

Afinal, o ensino tradicional, complementado ou não com recursos tecnológicos na sala de aula, ainda é o que garante uma maior igualdade de oportunidades. O elemento humano, subjectivo, é mais eficaz do que a alegada objectividade da automatização digital na detecção e tratamento de situações que fogem ao padrão mais comum. Mesmo com recurso aos métodos mais avançados da Inteligência Artificial (e que distantes eles estão da realidade educativa nacional), há sempre aquele pequeno detalhe que só a sensibilidade e experiência pessoal consegue distinguir e singularizar.

No entanto, as minhas expectativas são mínimas quanto ao recuo da tendência que, apesar das evidências, considera que o século XXI é o da “Educação Digital”, entendendo-se por isso uma versão muito pobre em termos conceptuais e técnicos do que poderia ser um modelo pedagógico baseado pelo menos em parte no Conectivismo de George Siemens. Mas pelo que percebo não há PADDE (outro acrónimo da temporada) que vá muito além de uma nova camada de burocracia.

Afinal, o ensino tradicional, complementado ou não com recursos tecnológicos na sala de aula, ainda é o que garante uma maior igualdade de oportunidades.
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Este ano será ainda o primeiro de uma ambição mínima em termos curriculares e de desenvolvimento de aprendizagens, agora oficialmente reduzidas ao “essencial”, abandonando-se os anteriores programas disciplinares e passando a ser quase anátema referir “conteúdos”, como há uns anos se deveria substituir o termo e conceito de “conhecimentos” pelo de “competências”.

A par da promoção imperativa do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PASEO, um novo acrónimo essencial) como “referencial”, temos a recuperação do conceito com cerca de meio século do DUA ou “Desenho Universal para a Aprendizagem” (Universal Design for Learning), que se afirma adequado a uma “Educação Inclusiva”, mas que na versão nacional mais não passa do que encarar as aprendizagens dos alunos segundo um modelo indiferenciado (“universal”), em que se reduz tudo ao “essencial”, a um padrão mínimo facilitador do “sucesso” e se equipara o que é a herança da Humanidade em termos de Conhecimento ao que são modas associadas a estilos de vida conjunturais.

A Filosofia, a História e mesmo algumas áreas da Ciência são encaradas como equivalentes, ou mesmo menos relevantes no século XXI, do que andar de bicicleta ou ter “espirito empreendedor” para criar micro-empresas que desaparecem em meia dúzia de meses, por muito interessantes que sejam os grafismos das apps.

Mas nem tudo é assim tão desanimador pois, como prometi lá mais acima, há coisas que nos permitem ainda guardar alguma esperança. Em especial entre @s alun@s mais nov@s, ainda há quem tenha uma curiosidade máxima e queira saber mais do que o “essencial” e goste de perguntar o que desconhece e não aparece na primeira página das pesquisas num qualquer motor de busca. Alunos para quem o google ou a wikipedia não são o princípio e o fim dos conhecimentos essenciais para o século XXI. São el@s que devemos acarinhar, são el@s que ainda dão sentido ao esforço d@s professor@s que inexoravelmente foram envelhecendo e ficando cansad@s, muitas vezes com a sua saúde física e mental nos limites, mas ainda com gosto em satisfazer um desejo de saber que não se reduza a cliques e ao copy/paste para apresentações muito “dinâmicas”, mas de escassa substância.

É por el@s que ainda resisto à imensa tentação de ficar indiferente ao avanço de uma lógica de Educação Mínima, mais ou menos polvilhada com webinares.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

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