«A tolerância das vítimas de violência doméstica é hoje menor»
«Eu sinto vergonha. Não quero que as pessoas saibam que eu moro aqui, mas a vida aqui é normal», diz uma rapariga de 11 anos, encolhida numa poltrona. Um rapaz de 8, sentado mesmo em frente, queixa-se de algumas monitoras, afinal, é mais gente a dizer-lhe o que fazer, mas admite que se sente mais seguro. «Essa casa parece um hotel», comenta outro, de seis. «É muito grande. Tem um, dois, três, quatro andares. Tem escadas até ao último quarto.»
Era num hotel que pensava Teresa Rosmaninho quando, na qualidade de presidente do Clube Porto Invicta das Soroptimist International, criou o Porto d´Abrigo, em 2004. Os sete quartos distribuem-se pelos pisos superiores. No rés-do-chão, apenas espaços comuns. Na área de estar, poltronas com rodinhas em vez de sofás. Na de refeições, uma mesa adequada para uma ou duas famílias de cada vez. Ninguém cozinha. Há um serviço de catering. Tudo para evitar conflito entre as pessoas que a vida atirou para aqui.
Quando se pergunta o que mudou desde que aqui começaram a refugiar-se mulheres e crianças vítimas de violência doméstica, a diretora técnica, Joana Sampaio, não hesita um segundo. «O tempo que as vítimas aguentam a violência na relação até fazer queixa.»
No princípio, o mais comum era aguentarem dez, 15, 20 anos de violência antes de tomarem a decisão de sair.
Entre as primeiras pessoas aqui acolhidas, uma mulher que aguentou mais de 20 anos de agressões. O medo entorpeceu-a. Uma filha adolescente é que a obrigou a reagir. O pai tomara-a de ponta, como fizera às irmãs mais velhas, que foram sendo retiradas à família pelo sistema de protecção de crianças e jovens, uma já grávida dele.
Entre as primeiras pessoas aqui acolhidas, uma mulher que aguentou quase 20 anos. Parecia agrilhoada à casa que estavam a construir até encontrar batom no colarinho de uma camisa do marido. Confrontou-o e, no final da briga, ele atropelou-a com a carrinha. Não podia continuar ali. Ele já levara as mãos ao pescoço do filho.
«Tenho hoje casos de mulheres que foram vítimas de um episódio de violência física e saíram de casa», diz Joana. Tudo começa com violência psicológica (humilhação, menosprezo, distorção de factos, manipulação, controlo, insulto, ameaça, etc.). Um dia escala para a violência física (empurrão, apertão, estalo, pontapé, arremesso de objetos, etc.). O agressor pede desculpa, promete que não voltará a acontecer, a vítima dá o benefício da dúvida, perdoa. Inicia-se uma nova fase de lua-de-mel até que as tensões do quotidiano voltam a acumular-se, a violência recomeça, numa eterna repetição. Às vezes, a violência não chega a tornar-se física. «A tolerância das vítimas é menor e muito bem.»
O que aconteceu? Não lhe parece que seja só o trabalho que tem sido feito ano-após-ano para passar a mensagem de que violência doméstica é crime. «Também tem que ver com as respostas que existem. Há mais e com mais qualidade.»
F., aqui acolhida agora com os seus dois filhos, não esperou que o companheiro passasse da ameaça ao acto. «Ele começou a partir coisas, a gritar. Ele começou a dizer que eu tinha de lhe dar dinheiro, a ameaçar que me matava.» Amiúde, havia rebuliço. «Ninguém dormia. Ninguém tinha paz.»
Os primeiros anos de relacionamento entre aquela operadora de armazém e aquele operário fabril não foram maus. A relação alterou-se quando ele entrou em depressão e lhe foi diagnosticada doença bipolar. Como recusava medicar-se e não se abstinha de tomar bebidas alcoólicas, não estabilizava. «Vivi seis anos nessa coisa. Tentei ajudar e tudo, mas vi que não dá… Nos últimos três anos, ficou agressivo. Bater-me, não chegou a bater, mas ameaçava matar-me. Eu disse que eu não era obrigada a viver com ele nessas condições nem os meus filhos. Ele ameaçou matar-me.”
Um crime público há 22 anos
Apenas há 40 anos o crime de maus-tratos a cônjuge ou análogo entrou no Código Penal. Apenas há 22 se tornou um crime público e se decidiu criar uma rede pública de casas de apoio às suas vítimas, incluindo núcleos de atendimento e casas-abrigo.
As primeiras estatísticas chegaram precisamente pela mão de Teresa Rosmaninho, então coordenadora do Inovar, um projeto de modernização das polícias do Ministério de Administração Interna. Foram divulgadas em 2001 pelo então ministro Nuno Severiano Teixeira num hotel do Porto e depois ainda tiveram de sofrer um acerto.
O Relatórios Anual de Segurança Interna de 2004 indicou 6.958 denúncias na GNR e na PSP em 2000, 7601 em 2001, 8.006 em 2002, 10.005 em 2003. Com o tempo, a violência doméstica tornou-se um dos crimes mais participados às autoridades em Portugal.
As denúncias estabilizaram acima das 20 mil. Os últimos relatórios anuais referem 22.599 em 2017, 22.423 em 2018, 24.793 em 2019. Há dois anos, quando o mundo foi surpreendido pela pandemia de covid-19, 23.439 denúncias. No ano passado, 26.590. Nos três primeiros trimestres deste ano, 22.950.
Houve um esforço deliberado para ajudar as vítimas a romper o silêncio. Há 20 anos, surgiram as primeiras formações específica para polícias, as primeiras salas de atendimento às vítimas, os primeiros embriões do que são hoje unidades especializadas neste tipo de crime dentro da PSP e da GNR. Mas não é preciso sair desta casa-abrigo para perceber que esse trabalho não está concluído.
F. lembra-se bem do dia em que decidiu sair. «Cheguei do trabalho, ele tinha quebrado duas cadeiras de madeira da cozinha e um móvel do hall de entrada e jogado comida para o chão.» Não podia simplesmente desaparecer com as crianças, então com dois e sete anos. Foi à GNR. «Eles não aceitaram a queixa. Disseram que não podiam registar a queixa, porque ele não tinha me batido. ‘Mas tenho que esperar ele me agredir ou fazer alguma coisa para os meus filhos? Isso eu não vou fazer. Não vou voltar para casa à espera disso.’»
F. nem imaginava que havia uma Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica. Falou com uma amiga sobre a possibilidade de se refugiar na casa dela, mas ela disse-lhe que não, que não lhe parecia seguro. Seria o primeiro lugar onde ele a procuraria. Melhor seria instalar-se num hotel.
No trabalho da amiga é que surgiu a recomendação para telefonar ao Serviço de Informação às Vítimas de Violência Doméstica (800 202 148). «Liguei. A senhora do apoio falou com a GNR. Eles foram ao hotel buscar-me. Registaram a queixa. De lá, a Cruz Vermelha levou-me para uma casa de emergência. Ficámos lá uns 15 dias e viemos para aqui.»
Apesar de continuar a haver experiências como esta, Joana nota que os órgãos de polícia criminal melhoraram muito o seu modo de trabalhar. «As polícias fizeram um longo caminho, os tribunais nem tanto. Encontrámos muita disparidade de atuação dependendo do juiz ou da juíza que está à frente do caso. Ou temos a sorte de apanhar uma pessoa sensível a estas questões, que leu, que entende as dinâmicas, ou não temos e nesses casos a vítima é culpabilizada, responsabilizada».
Tribunais nem sempre entendem dinâmica da violência
Há anos que o país investe em ações de formação de magistrados e funcionários judiciais. O Ministério Público está a testar em Matosinhos, Porto, Lisboa, Sintra e Seixal Sessões Integradas Especializadas em Violência Doméstica.
A crítica de Joana é dirigida sobretudo às Jurisdições de Família e Menores, que lidam com os processos de regulação das responsabilidades parentais. O caso de V., uma das mulheres agora acolhidas, afigura-se-lhe exemplar.
V. quer voltar para o Brasil, de onde saiu há 10 meses. O marido não lhe dá autorização para viajar com as crianças – a rapariga de 11 que tem vergonha que se saiba que mora aqui e os dois irmãos de seis. E o tribunal não a autoriza a viajar sem o consentimento do pai.
V. chegou a denunciar a situação de violência às autoridades, mas depois não colaborou, convencida de que se o fizesse o marido receberia ordem de deportação e a seguiria até ao Brasil. O processo foi arquivado. Nunca lhe passou pela cabeça que a retivessem e aos filhos em Portugal, mesmo não tendo autorização de residência.
Isso aconteceu antes de entrar na casa-abrigo, de ter quem a orientasse. Agora, Joana até a acompanha às secções de regulação das responsabilidades parentais. «Se ele era violento, porque é que ela veio?», perguntou-lhe o procurador. Joana explicou que a mulher veio tentar uma vez mais.
«Não é o sistema que tem de dar autorização para ir embora. Eles é que têm de se entender. E nem há processo de violência doméstica. O que é que ela está a fazer numa casa-abrigo?», questionou o procurador. «A Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica tem de apoiar as vítimas, mesmo que não denunciem», esclareceu Joana. «A maioria denuncia. Ela não o fez e explicou porquê.»
Quando o Porto D’Abrigo abriu, só havia 23 espaços de acolhimento temporário para vítimas de violência doméstica, capazes de receber até 354 pessoas, desligados uns dos outros, cada qual a funcionar à sua maneira. Sem vagas, as vítimas eram muitas vezes alojadas pela emergência social em pensões associadas ao trabalho sexual e ao consumo de drogas. Isso levava algumas a voltar atrás.
Hoje, o país conta com 133 estruturas de atendimento às vítimas de violência doméstica, 26 unidades de acolhimento de emergência, 39 casas-abrigo. No final de setembro, acolhiam 853 mulheres, 15 homens e 706 crianças.
A resposta alargou-se e especializou-se ao ponto de incluir uma unidade de emergência para a população LGBT+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero), uma casa-abrigo para homens, outra para mulheres com deficiência, outra para mulheres com doença mental. Em preparação estão duas estruturas residenciais para idosas vítimas de violência doméstica.
Fazem todas parte da tal Rede Nacional gerida pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG). Além de um regulamento a uniformizar regras de funcionamento, há uma plataforma de gestão de vagas. Sempre que Joana precisa de encaminhar uma vítima para outra casa, vai à plataforma e vê qual delas tem vaga. «Não preciso de ligar para todas.»
Dificuldades em conseguir casa para arrendar
Há mulheres que ficam pouco tempo nesta casa-abrigo. Umas algumas semanas, outras um par de meses.
Entre as primeiras pessoas aqui acolhidas, uma mulher que entrou com um hematoma ocular, um filho, de dez anos, e duas filhas, uma de quatro e outra de dois. Nunca se deixara dominar totalmente. Sempre encontrara frechas. Em poucos meses estava a mudar de cidade para recomeçar a vida com o apoio de uma irmã.
Entre as primeiras pessoas aqui acolhidas, uma que chegou com marcas no pescoço. Foi o psiquiatra do marido, obsessivo compulsivo, que a aconselhou a fugir antes que ele a matasse. Em menos de três meses estava a viajar para França, para junto de um irmão».
Há mulheres que precisam de mais tempo de permanência numa casa-abrigo. Algumas esgotam o prazo legal: seis meses prorrogáveis por outros seis.
Sempre foi desafiante recomeçar. Fugiram das suas casas, não raras vezes para longe. Tiveram de largar os seus empregos, na maior parte das vezes intransferíveis. Se tiverem crianças pequenas tudo se complica. Sem retaguarda familiar, têm de encontrar trabalho compatível com o horário escolar.
Foi a pensar nos casos mais bicudos que, em 2005, Teresa Rosmaninho negociou dois apartamentos de transição com a Câmara da Trofa, em nome das Soroptimist International – Clube Porto Invicta. As autarquias só atribuíam habitação social a pessoas residentes no município cinco anos ou mais e não abriam exceções para vítimas de violência doméstica. E quantas podiam voltar à origem?
Entre as primeiras pessoas aqui acolhidas, uma mulher que fugiu grávida, com um bebé de um ano no colo. Esteve nesta casa-abrigo um ano e meio e cerca de um ano num apartamento de transição antes da Câmara de Gaia lhe atribuir uma vaga numa casa de um bairro social.
A CIG assinou um protocolo de cooperação com o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), em 2013, com aditamento em 2018, para que se desse prioridade a vítimas de violência doméstica. E um protocolo com a Associação Nacional de Municípios Portugueses em 2012, substituído em 2019.
«Antes da pandemia, tivemos uns anos em que o protocolo da CIG com o IHRU foi espetacular», conta Joana. “Tive resposta que não chegaram a um ano, o que era compatível com o prazo de estadia em casa-abrigo. Conseguimos uma série de apartamentos para pessoas que passaram por aqui e que ainda hoje estão muito bem. Reorganizaram as suas vidas.» Esse tempo parece ter acabado durante a crise de saúde pública. «Há cerca de dois anos que não tenho resposta». E a empresa municipal de habitação já não exige cinco anos de residência no concelho, mas também não tem vagas, tarda a responder.
«Há uns anos, com esforço, uma parte das vítimas conseguia autonomizar-se; neste momento não”, afiança aquela técnica. «Nenhuma das mulheres que estão na casa-abrigo consegue pagar uma renda no mercado de arrendamento normal. As rendas estão exorbitantes para quem ganha um vencimento médio. Imagine-se para quem ganha um salário mínimo.» Neste momento, ressaltam F. e os seus dois rapazes. «Estão há um ano na casa-abrigo. Supostamente já não podem ficar mais tempo, mas não os vou mandar embora.»
«Há essa dificuldade”, concede F., que está com 42 anos e não tem familiares por perto. “O governo… eles facilitam numas coisas, mas depois…. É muito difícil começar de novo. Essa questão de facilitar a casa era importante.»
Entende que a estadia em casa-abrigo não pode eternizar-se. «Eu sei que nós temos um tempo limite só que é complicado. Temos filhos. Deixámos tudo para trás. Eu mesma deixei um emprego de 13 anos, no qual era efetiva. Tenho dois filhos pequenos. Não tenho ajuda, a não ser da casa-abrigo. Como é que vou pagar 600, 700, 800 euros de renda? Uma renda chega a ser maior do que um salário mínimo.»
Pelos seus cálculos, para pagar uma renda dessas e criar os filhos teria de ganhar pelo menos 1500 euros. Não se pode enfiar com eles em qualquer buraco. «Também exigem de nós. Os filhos têm de ser bem tratados. Há o espaço, a higiene, a roupa, a comida.»
A salvação, para já, pode estar num dos já referidos apartamentos de transição. Há uma família que pode estar a sair. «Tenho uma que provavelmente vai viver com familiares», adianta Joana.
A diretora técnica lamenta o que está a acontecer. «Estamos a promover o retorno das pessoas a casa dos pais aos 40 anos. Têm 40 anos e vão dividir despesas com os pais ou com outras familiares porque não conseguem suportar as despesas sozinhas.»
T., uma das atuais residentes, está prestes a voltar para casa dos pais com a filha de sete anos. Sente-se segura para fazê-lo porque o ex-companheiro foi condenado a três anos de prisão efetiva e a uma pena acessória de dois anos de afastamento.
Há sinais de que a impunidade não vinga sempre
Há sinais de que a impunidade não vinga sempre. Ao que se pode ler no Portal da Violência gerido pela CIG, há mais gente a cumprir penas de prisão efetiva (958 no terceiro trimestre deste ano) e a participar em programas destinados a agressores (2739).
A teleassistência tornou-se popular (4314). A aplicação de medidas de coação tem crescido, embora não na mesma proporção (989, 798 com vigilância eletrónica). Mas é raro um tribunal forçar a saída dos agressores de casa.
«Tive, em 2019, antes da pandemia, duas medidas de afastamento da residência», refere Joana. «A polícia tirou-os de lá, viu para onde iam, monitorizou a situação. E elas estão na casinha delas com os filhos delas e as coisas estão a correr bem.» Tem é de haver uma análise de risco e algum acompanhamento.
Não é preciso inventar. «É só implementar as medidas previstas na lei, sem medos e sem constrangimentos», resume. Só que isso «implica uma mudança de mentalidades». Desde logo, há que deixar de encarar esta medida como uma condenação. «Isto não é uma condenação, não põe em causa a presunção de inocência. Isto é uma medida acessória de coação. Faz sentido achar que o agressor não pode sair da sua casa, mas a vítima e os filhos podem mudar a vida toda? Não. Não têm para onde ir? As vítimas também não têm. As casas-abrigo são uma resposta temporária. Dão apoio às vítimas? Dão, mas, nalguns casos, poderiam fazê-lo com elas na casa delas.» O acolhimento em casa-abrigo ficaria então reservado a situações em que há risco.
Uma casa-abrigo não é uma casa. Quem ali está tem de obedecer a regras de gestão do quotidiano. Não pode receber visitas nem dizer onde mora, por exemplo. Também não é um hotel, embora possa parecer. As pessoas que o acaso juntou aqui têm de conviver na sala de estar/jantar, na sala de brincar, na sala de estudo.
Se há coisa que Joana aprendeu, nestes 18 anos, foi a «não pessoalizar». «Os técnicos não podem ter expectativas em relação às vítimas que ajudam. Podemos encontrar vítimas muito agradecidas, mas também podemos encontrar vítimas que não gostam de estar connosco, que nos desafiam, que são impositivas. E temos de ter capacidade de nos colocarmos no lugar delas. As pessoas centram-se muito nas suas experiências. É fundamental ter humildade e capacidade de empatia para, apesar das dificuldades que possamos ter com uma vítima, continuarmos a fazer o melhor trabalho que conseguirmos.»
Estando livre de violência, tudo lhe parece possível
Uma das últimas pessoas a entrar foi A., de 37 anos, com a filha, de 14. «Vejo que estou sendo apaparicada de uma forma que nunca fui. Passei por muita coisa. Eu estou num abrigo para me libertar. Às vezes, é um bocadinho triste. Às vezes, vêm aqueles sentimentos de ser insuficiente, de não conseguir, de não ter o meu próprio lugar, a minha casa. Então eu penso: eu tenho saúde, eu sou capaz, eu vou conseguir.»
Aterrou em Portugal em Fevereiro de 2020, com uma história de violência, mas achando que tudo seria diferente. “Era tipo sonhos que a gente ia estar concretizando. Tinha uma expectativa de renovação, na vida profissional, na vida pessoal, na relação. Sabia que ia estar sozinha. Pensei: caso aconteça, vou ter de ser forte. Mas a minha esperança mesmo era que não acontecesse.»
Aconteceu. Quando foi à polícia apresentar queixa, falaram-lhe na possibilidade de recorrer a acolhimento de emergência. «Nos momentos de violência, eu dizia: estando longe, eu consigo; estando longe, eu consigo. Quando fui na esquadra, eles falaram: ‘Não tem vaga aqui perto.’ E eu pensei: é longe, é longe eu consigo. E disse: ‘Pode ser qualquer canto, qualquer vaga.’ Fui para casa de emergência, fiquei uma semana, e depois vim para aqui.»
Entrou na casa-abrigo em Setembro e já arranjou trabalho como assistente dentária. Adora o que faz. E tem um horário que lhe permite dar algum acompanhamento à filha, que dá sinais de «socorro». Era o que ela desejava. «Graças a Deus, consegui. Estou ansiosa para ter o meu lugar, mas preciso de mais tempo para me organizar financeiramente.»
A casa-abrigo há-de dar-lhe esse tempo. A. está convencida de que encontrará um t1, um t0, um quarto, o que for. Agora que está livre de violência, tudo lhe parece possível.