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«Putin o Salvador»?

Excerto do livro «Rússia e Europa: uma parte do todo»
6 min
«A guerra em lume brando?» é o tema do próximo Fronteiras XXI.   O ano de 2018 é decisivo para a paz e o presidente russo será  uma figura central neste xadrez político. Para saber mais sobre o tema, deixamos-lhe aqui a sugestão de leitura de um dos capítulos do livro de José Milhazes.

Não perca o programa – dia 7 de Fevereiro, às 22h30, na RTP3.

 

PUTIN, O SALVADOR

 

«No campo político e diplomático, a situação complicou-se ainda mais com a eleição de Vladimir Putin para o cargo de Presidente da Federação Rússia no ano 2000. Mas não se tratou de um processo brusco. O novo dirigente russo, após consolidar o seu poder no plano interno, de substituir “velhos” por “novos” oligarcas da sua confiança e de criar a chamada “vertical do poder”, modelo de concentração de praticamente todo o poder no Kremlin, decidiu reivindicar para o seu país um estatuto especial, pelo menos no que dizia respeito ao antigo espaço pós-soviético.

Inicialmente, tudo parecia encaminhar-se para uma aproximação maior entre a Rússia e o Ocidente, em especial após os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos. Nessa altura, em que o chefe da diplomacia russa era Igor Ivanov, as autoridades russas tentaram reconquistar a sua influência geopolítica e aproveitar-se do dinamismo europeu para estimular o desenvolvimento nacional, ao mesmo tempo que a UE recorria cada vez mais aos fornecimentos de gás russo e via na Rússia um dos principais mercados para o escoamento dos seus produtos e serviços.

Além disso, o aumento dos laços económicos ocorre numa base institucional, o que favorece esse processo. Em Maio de 2003, foi anunciada na Cimeira Rússia-UE a criação de “quatro espaços”: o espaço económico único; o espaço comum de liberdade, segurança e justiça; o espaço de cooperação na área da segurança externa e o espaço da ciência e da educação.

Todavia, acções como a invasão do Iraque, realizada com o apoio de alguns países da União Europeia em 2003, reflectiram-se não só nas relações entre a Rússia e os Estados Unidos mas, também, com a Europa.

A UE continuava a alargar-se rapidamente. Em 2004, aderiram a esta organização nove países, oito dos quais antigos Estados do “campo socialista”, aumentando no Kremlin o receio de ser marginalizado. Além disso, Moscovo viu nas chamadas “revoluções coloridas” no antigo território soviético (Geórgia em 2003, Ucrânia em 2004 e Moldávia em 2009), formas de retirar esses países da esfera de influência russa e ensaios para derrubar o próprio regime de Vladimir Putin.

Do outro lado, o descontentamento da UE face ao Kremlin começou a aumentar a partir do início do segundo (2004-2008) e, principalmente, durante o terceiro mandato (2012-2018) do Presidente Putin, acusando-o de violações sistemáticas dos direitos humanos, das liberdades cívicas e da imposição de um sistema autoritário. Além do mais, Bruxelas considera que a Rússia recorre, cada vez mais, aos fornecimentos de combustíveis como arma política de pressão.

Pelos vistos, quando chegou ao poder, e principalmente depois dos atentados de 11 Setembro de 2001, o dirigente russo esperava, a troco do seu apoio à luta contra o terrorismo islâmico, ser recebido de braços abertos no mundo ocidental e na condição de o Ocidente reconhecer o espaço pós-soviético como “zona de influência russa”. Ora, isso não aconteceu. Em 2003, a despeito dos protestos do Kremlin (verdade seja dita, desta vez sensatos e justos), as tropas norte-americanas invadem o Iraque sob o falso pretexto de que o ditador Saddam Hussein detinha armas de destruição maciça.

No seu discurso pronunciado na Conferência de Munique, em Fevereiro de 2007, Putin colocou em causa a hegemonia mundial dos Estados Unidos, considerando que “no mundo moderno, o modelo unipolar não só é inaceitável, como impossível” e frisou: “A Rússia é um país com uma história mais do que milenar e praticamente sempre gozou do privilégio de realizar uma política externa independente. Nós também não tencionamos mudar essa tradição hoje”.

Esta nova política materializou-se em Agosto de 2008, quando tropas russas invadem a Geórgia a pretexto de defender os interesses dos “cidadãos russos residentes na Ossétia do Sul”, região separatista da Geórgia.

Então, a UE e os Estados Unidos limitaram-se a protestos verbais, o que levou o Kremlin a considerar que podia ir mais longe na política agressiva em relação aos países vizinhos. Se, na altura, tivessem reagido como em 2014 em relação à Rússia, talvez Moscovo não ousasse invadir a Ucrânia, mas o Ocidente apenas se limitou a palavras mesmo quando, a 1 de Setembro de 2014, o Kremlin reconheceu a independência da Ossétia do Sul e da Abcásia em relação à Geórgia.

No caso da UE, esse tipo de posição deveu-se a vários factores, sendo o principal o facto de Bruxelas não ter uma política internacional e de segurança, única e coerente, face à Rússia. Além disso, imperaram os interesses dos grandes grupos económicos europeus em terras russas, em comparação com a invasão da Geórgia pelas tropas russas.

Na UE existe uma divisão clara entre as chamadas “Velha Europa” e “Nova Europa”. A primeira, pelo menos até ao início da guerra na Ucrânia, recusava-se a compreender os receios e medos da segunda face à Rússia, que fez parte, até muito recentemente, do chamado “campo socialista”. Considerava-os exagerados. Os dirigentes da Velha Europa eram, e continuam a ser, da opinião de que se pode chegar a um acordo com Vladimir Putin em condições diferentes das que ele quer, enquanto os “antigos camaradas” sabem que não é assim.

Vladimir Putin e os seus conselheiros têm conhecimento das divergências no seio da UE face à Rússia e tentam aproveitá-las ao máximo. Por exemplo, durante a sua viagem à Hungria, em Fevereiro de 2015, Putin prometeu ao governo de extrema-direita de Budapeste gás natural a preços mais baixos, caso as autoridades húngaras defendessem o levantamento das sanções contra a Rússia no seio da UE. Seguem esta mesma linha a assinatura de um acordo entre a Rússia e o Chipre sobre a possibilidade de os navios de guerra russos se reabastecerem em portos cipriotas, ou as promessas de ajuda financeira à Grécia.

Além disso, Moscovo utiliza também políticos europeus como seus agentes de influência na Europa. O caso mais conhecido é o do antigo chanceler alemão, Gerard Schroeder, que passou desse cargo para a direcção da gasífera russa Gazprom. E este não é caso único.

Schroeder e Berlusconi, quando se encontravam no poder nos seus países, utilizavam as suas relações pessoais com Vladimir Putin para conseguirem bons negócios para as suas empresas. Por exemplo, depois de um jantar entre Putin e Schroeder, quando este dirigia o Governo alemão, a alemã Siemens ganhou um grande contrato de fornecimento de carruagens de TGV à Rússia.

O Acordo de Parceria entre a Rússia e a UE, que entrou em vigor em 1997, terminou o seu prazo de vigência dez anos depois, mas continua a ser, formalmente, o documento orientador das relações bilaterais até hoje, porque as partes não conseguiram alcançar um novo Acordo e dificilmente conseguirão fazê-lo nos próximos anos. Ficaram por resolver problemas importantes, como a livre circulação de pessoas entre a Europa e a Rússia ou o Terceiro Pacote Energético.»

Excerto do livro de José Milhazes “Rússia e Europa: uma parte do todo”

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor

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