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Os portugueses e a 'Europa'

Os portugueses e a 'Europa'

Mostrados dados actualizados sobre as atitudes políticas dos portugueses, com base no Portal de Opinião Pública da FFMS
4 min
O que pensam os portugueses sobre a 'Europa' enquanto entidade política? Será que continuam a confiar nas instituições europeias? E será que ainda equiparam a integração europeia ao progresso?

 

Passaram-se pouco mais de dois anos desde o referendo que decretou a saída do Reino Unido da União Europeia. Na altura, o resultado chocou meio mundo, e muito se escreveu sobre as consequências dessa decisão para o “projecto europeu”. A verdade é que o eurocepticismo de boa parte dos britânicos estava documentado há décadas, sendo até anterior à adesão do Reino Unido à então Comunidade Económica Europeia, em 1973. Com isto em mente resolvi dar azo a uma dúvida (metódica): será que os portugueses continuam comprometidos com a 'Europa'? Não há nada como o cepticismo metodológico para questionar lugares-comuns.

Apesar dos estudos de opinião não serem – nem de perto nem de longe – o melhor instrumento para descortinar verdades absolutas, como desejou Descartes, recorri ao POP – Portal da opinião pública, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, para tentar perceber o que pensam os portugueses sobre a União Europeia. Por uma feliz coincidência, os dados mais recentes do Inquérito Social Europeu e do Eurobarómetro, disponibilizados nesse portal, foram publicados no passado mês de Junho. Aqui se destacam seis desses indicadores.

1- Segundo os resultados do Inquérito Social Europeu, só os espanhóis e os alemães são mais favoráveis ao aprofundamento da unificação europeia do que os portugueses. Por outras palavras, a maioria dos nossos concidadãos considera que a integração europeia devia ir mais longe.

2- De acordo com a última vaga do Eurobarómetro, os portugueses nunca tiveram expectativas tão elevadas em relação à economia europeia. É importante referir que este indicador só é recolhido desde Setembro de 2007, pelo que não devemos esquecer a crise financeira de 2007-2008, nem o resgate a que Portugal teve de recorrer entre 2011 e 2014, ao interpretar estes resultados. Para além disso, Portugal é ainda o país da Europa do Sul que melhor avalia a situação da economia europeia.

3-  60% dos portugueses considera que os interesses do seu país são levados em conta pela União Europeia. Estes valores têm crescido ininterruptamente desde Maio de 2016 e nunca foram tão elevados. Inclusivamente, Portugal é o país da Europa do Sul a apresentar valores mais altos neste indicador.

4- 80% dos portugueses apoiam a União Económica e Monetária, o que os torna nos maiores entusiastas do euro em toda a Europa do Sul.

5- A confiança dos portugueses nas instituições europeias tem aumentado progressivamente desde Março de 2014, apesar de ainda estar aquém dos níveis registados antes da crise. 59% dos portugueses confiam no Parlamento Europeu e 57% deles confiam na Comissão Europeia, sendo Portugal o país da Europa do Sul a apresentar os resultados mais elevados em ambos os indicadores.

6- Apenas 16% dos portugueses consideram que a União Europeia representa prosperidade económica. Este indicador é recolhido desde o Outono de 2003 e nunca excedeu os 27% (Outubro de 2004). Ainda assim, Portugal é o segundo país da Europa do Sul menos céptico quanto à capacidade da União Europeia trazer prosperidade económica, sendo apenas suplantado por Malta. Este dado é curioso. Ao contrário do que dita o senso comum, os portugueses não parecem encarar a União Europeia como a galinha dos ovos de ouro, ou o novo ouro do Brasil. Aparentemente, a confiança nas instituições europeias suplanta a confiança na capacidade da UE providenciar prosperidade económica.

Em 1982 a banda portuguesa GNR lançou uma canção, intitulada Portugal na CEE, que viria a ser um grande êxito, ao expressar a intenção da vasta maioria dos portugueses, bem como da maioria dos partidos representados no parlamento, de aderir à Comunidade Económica Europeia. Na altura os portugueses pareciam acreditar que “agora, que já lá estamos, vamos ter tudo o que desejamos”. A estrofe soava bem e até rimava - era POP - mas era demasiado boa para ser verdade. Em 1969, ainda antes da adesão do Reino Unido,  os Rolling Stones já tinham avisado: “you can’t always get what you want”.

A julgar pelos resultados, depois de ultrapassado o furor da adesão à CEE, os portugueses parecem ter plena noção das limitações do projecto que subscreveram em Junho de 1985. Regra geral, confiam nas instituições europeias, apoiam o euro, estão agradados com a evolução da economia europeia, e não fazem depender a sua lealdade à UE da prosperidade económica. Talvez isso seja a prova que faltava da maturidade do nosso regime. Durante a transição democrática os partidos centristas portugueses equipararam a 'Europa' – como ainda hoje se diz – à liberdade, ao estado de direito democrático, e ao desenvolvimento económico, isto é, ao progresso. Mesmo depois deste ter chegado, ainda que não na dose desejada, parece óbvio que os portugueses querem continuar a pertencer ao clube.

A ligação dos portugueses à União Europeia passou confortavelmente no mais rudimentar dos testes cartesianos. É tempo de passar à dúvida seguinte. Por mais elementar que pareça.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

Portuguese, Portugal