«Ocusto da democracia e o seu financiamento é uma das áreas de risco mais sensíveis dos últimos tempo e aquela que tem estado no centro dos grandes escândalos de corrupção envolvendo líderes plíticos, altos cargos públicos, gestores de empresas e 'facilitadores' de todo o tipo e feitio.
O financiamento ilícito garante um acesso privilegiado a decisões políticas. Portugal não está imune a este problema. Têm sido vários os "escândalos" associados ao financiamento ilícito de partidos, desvendados nas últimas décadas: o caso "fax de Macau", o caso "Fundo Social Europeu", o caso "facturas falsas", o caso "Freeport", o caso "Portucale/submarinos", o caso "Taguspark", o caso "saco azul de Felgueiras", o caso "António Preto e a mala de dinheiro", etc. Em nenhum destes casos ficou provada a ligação entre as alegações de corrupção ou fraude e o financiamento de partidos ou campanhas eleitorais. Do mesmo modo, só ao fim de mais de três décadas de democracia, e por imprudência de um dos intervenientes, foi possível provar o financiamento ilícito de uma empresa (Somague) a um partido político (PSD); e, mesmo neste caso, ficou por apurar a contrapartida que a empresa terá recebido pela liquidação de despesas efectuada à margem da lei.
A problemática do financiamento político ilícito evolui em torno de um paradoxo: à medida que as fontes tradicionais de financiamento dos partidos e candidaturas foram diminuíndo, os custos eleitorais continuaram a subir vertiginosamente. Parte do problema deriva dos custos excessivos provocados pelo aumento e diversificação dos meios de campanha utilizados, da profissionalização das campanhas (por exemplo, a contratação de agência de marketing político, o recurso frequente a sondagens, a concepção de websites de campanha complexos e de grande capacidade) e da intensificação das acções de campanha com componentes lúdicas, orientadas para as grandes audiências e a título "gratuito" ou "subsidiado" (por exemplo, comícios-festa ou jantares-comício). O aumento dos actos eleitorais e a tendência para a personalização das campanhas também fazem parte da equação.
Ao longo das últimas três décadas tem-se vindo a consolidar uma atitude de relativização da legalidade ("para o bem da democracia") e de não contenção das despesas eleitorais, que ajudou a cristalizar certas práticas de financiamento. Os custos morais associados ao financiamento político ilícito são baixos, quer pela percepção generalizada de impotência da lei e ineficácia dos mecanismos de controlo, quer pela indiferença da classe política e da opinião pública em geral.
O papel central que os partidos desempenharam no processo de consolidação democrática conferiu-lhes a reputação popular de criadores, promotores e guardiães desse processo, o que os leva, por vezes, a actuar como se se tratasse, simultaneamente, dos meios e fins para a democracia. O facto de a campanha eleitoral ser interpretada como uma celebração regular e contínua da democracia tem servido, vezes sem conta, de desculpa para os aspectos mais folclóricos e ostensivos da competição eleitoral.
As eleições são entendidas pela maioria dos candidatos como uma batalha pelo poder onde "o céu é o limite", quer em relação aos gastos, quer em relação aos recursos (lícitos ou ilícitos). A par de um entendimento enraizado de que as exigências da competição eleitoral são prioritárias ao cumprimento dos limites de receita e despesa estipulados por lei, persiste a percepção generalizada de ineficácia das regras de financiamento. Não obstante exxiste uma maior pró-actividade da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) na monitorização de gastos eleitorais, a percepção de que o sistema de controlo se resume à análise formal das contas submetidas para apreciação e não da informalidade que as define verdadeiramente é ainda dominante. Daí a expressão de impunidade tão comummente citada pelos mandatários financeiros: "No fim, tudo bate certo!"»
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