O cego que procurava um guia para ir a Fátima
Ana Catarina André e Sara Capelo, as autoras de 'Peregrinos', explicam o tema do livro neste conjunto de perguntas e respostas. Referem também algumas das histórias de peregrinos que são contadas no livro.
Porquê Peregrinos?
É incontornável falar de Fátima quando se fala do século XX português. Milhares de pessoas vão à Cova da Iria desde que Nossa Senhora apareceu ali a três crianças, pela primeira vez, há 100 anos. Só em 2016 estiveram no Santuário mais de 5 milhões de fiéis, entre portugueses e estrangeiros. Muitos chegam depois de longas caminhadas. O que os leva a percorrerem centenas de quilómetros a pé? É este o ponto de partida de Peregrinos, uma viagem pela história recente do país.
De que trata?
Este livro contém histórias de peregrinos de Fátima, homens e mulheres que abandonam o conforto das suas casas e se fazem à estrada rumo ao local a Virgem Maria apareceu em 1917.
O que os leva a caminhar centenas de quilómetros?
Uns cumprem promessas, outros vão agradecer. Também há quem carregue súplicas e quem procure Deus. João, por exemplo, caminha descalço há 14 anos pela saúde do filho. Constança e Gonçalo foram preparar-se para o casamento. Marleen procurou a redenção depois de ter feito um aborto.
De onde partem?
De todos os pontos do país: Lisboa, Estoril, Reguengos de Monsaraz, São João da Pesqueira, Porto, Coimbra e Fundão são alguns dos locais de origem dos peregrinos retratados neste livro.
Fátima congrega peregrinos de todas origens sociais?
Sim. Antes de ter arriscado pôr-se a caminho, no fim da década de 1970, Gena, uma aristocrata do Estoril, achava que «o povo», «gente humilde de trouxa à cabeça», é que ia a pé a Fátima. A sua opinião mudou logo na primeira experiência. Gena transformou aqueles dias de caminho num retiro e o número de peregrinos a fazerem o caminho com ela foi aumentando. Hoje o grupo da Tia Gena, como lhe chamam, tem cerca de 200 pessoas todos os anos e é guiado por uma das filhas da fundadora (Gena morreu em 2013). Há arquitectos, designers, economistas, enfermeiros e empregadas domésticas no grupo.
Quanto custa ir a Fátima?
A participação do Papa Francisco nas celebrações do 13 de Maio de 2017 fez subir os preços das residenciais e hotéis em Fátima. Mas, apesar da especulação, nem todos pagarão centenas de euros pela estadia nos arredores do santuário. Cada um dos peregrinos do grupo que, desde 2001, sai de Reguengos de Monsaraz e de Portel gastará 220 euros pelas refeições, dormidas (incluindo as noites que passarão numa residência a poucos metros do recinto onde a Virgem apareceu) e, em alguns casos, pela oportunidade de tomar um banho – há locais que cobram entre 2 e 3 euros – durante os oito dias do caminho.
Sabia que há peregrinos que vão a pé a Fátima há quase meio século?
Joaquim Soares é um exemplo disso. Partiu pela primeira vez em Maio de 1971, meses depois de ter regressado da Guerra da Guiné – tinha prometido que se saísse com vida daquele cenário de horror iria a Fátima a pé. Saiu do Porto com um irmão e uma irmã e levou vestido o fato camuflado e as botas da tropa que usava em África. Desde então, peregrina todos os anos. Quer cumprir 50 anos de caminho. Só lhe faltam cinco.
Algumas pessoas juntam-se para fazerem o caminho sem se conhecerem, sabia?
Foi o caso de Pedro Diogo, guia do Movimento da Mensagem de Fátima, e de Jaime Oliveira, um cego que procurava alguém que o levasse ao santuário. Depois de várias tentativas falhadas (os grupos que contactou pediam-lhe em média entre 350 e 400 euros para o levarem), Jaime encontrou Pedro, que se prontificou a acompanhá-lo.
O livro 'Peregrinos' está disponível na loja online da Fundação.
A apresentação do livro está marcada para dia 7 de Abril às 16:45, no auditório da Rádio Renascença.
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.