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O Arquivo Diplomático: um estranho em terra comum

O Arquivo Diplomático: um estranho em terra comum

Opinião de Margarida Lages, Directora do Arquivo e Biblioteca do Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
3 min
Podemos argumentar que todos os arquivos são originais. Nascidos no seio de um organismo ou organização, retratam e provam o trabalho e a sua existência. O Arquivo Histórico Diplomático do MNE vai mais longe: prova a história de Portugal no Mundo de ontem e de hoje. E, quem sabe, indica já o futuro.

Com uma dimensão de cerca de 30 km, no universo em que Portugal tem representação diplomática, dos quais cerca de 20km em Lisboa, o arquivo está intimamente ligado à história mundial, e contém em si parte da história de cada um dos países e organizações com os quais Portugal mantém relações, ou nos quais participa como membro efetivo. Tal é o caso da União Europeia, da CPLP ou da Organização das Nações Unidas. E é também o garante da soberania nacional, da forma como ao longo do tempo o país se afirmou no Mundo e ainda das obrigações contraídas por força dos acordos firmados. Desta documentação o arquivo diplomático é o depositário legal.

Por força do contexto de atribuições do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o arquivo é uma fonte privilegiada para o estudo e conhecimento das questões de defesa e segurança nacionais. Mas não se esgota na História, na Diplomacia ou nas Relações Internacionais. No arquivo do MNE encontra-se a história da comunidade portuguesa espalhada pelos cinco continentes. É aqui que lemos parte da memória da emigração portuguesa nos últimos dois séculos.

Para além da preservação dos documentos, hoje o arquivo enfrenta novos problemas, sendo um dos mais prementes a questão da informalidade das comunicações, preocupação que vem ocupando também as discussões nos fora internacionais. A utilização do correio eletrónico para tratar questões formais, ou mesmo para transmitir instruções políticas, tornou-se prática corrente e anda de par com a telegrafia. A informalidade da comunicação parece estar em contradição com a cultura de um ministério conservador e muito hierarquizado. Este problema prolonga-se na “rede gov” que se encontra fora do sistema do MNE, sendo utilizada apenas pelos gabinetes ministeriais. Esta informação sairá para sempre da esfera do MNE, apenas se conhecendo rasto quando referenciada a um serviço. E em relação aos gabinetes, lembre-se que só a noção de devir histórico permitiu agora acesso ao arquivo dos ministros e que vale o que vale, posto que parte dele é, eliminado quando do fecho dos gabinetes.

Finalmente, importa dizer que o arquivo diplomático se refugiou na sua genealogia dificultando a sua abertura ao exterior e consequentemente a possibilidade de modernização na pesquisa e na consulta. Tentando inverter esta tendência, foi disponibilizado o portal ahd.mne.pt que possibilita a pesquisa simultânea no arquivo e na biblioteca do MNE. Outras atividades de promoção e visibilidade do arquivo foram promovidas: apresentação pública de estudos decorrentes da documentação do arquivo; participação mediante empréstimo de peças em exposições de outras instituições; a apresentação do Livro de registos de emolumentos consulares do Consulado de Portugal em Bordéus, onde estão identificados parte dos vistos concedidos por Sousa Mendes. Dada a relevância deste documento, o Instituto Diplomático entendeu candidatá-lo ao Programa da UNESCO, Memória do Mundo, na linha “Registo da Memória do Mundo”. 

Sabe-se que não é o arquivo que escreve a história, mas sim que a descreve com palavras que todos compreendemos. É ele o devir histórico. Pois ler o arquivo é uma coisa, mas encontrar a forma de o manter vivo é outra. Implica o gesto artesanal de cerzir uma tessitura incompleta, que aproxima o gesto do tempo e do humano. E nada mais é necessário do que o saber lê-lo.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

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