Nos bastidores dos acordos de paz
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Da primeira vez que se encontrou com Gerry Adams e Martin McGuiness, históricos dirigentes do braço político do IRA (Exército Republicano Irlandês), Jonathan Powell recusou apertar-lhes a mão.
A reacção do então chefe de gabinete do primeiro-ministro britânico Tony Blair, naquele encontro em Outubro de 1997, era compreensível. “O meu pai tinha sido atingido por uma bala do IRA numa emboscada e o meu irmão mais velho esteve na lista de pessoas a abater pelo IRA durante os oito anos em que trabalhou para Margaret Thatcher”, conta o britânico no livro “Talking to terrorists”.
Jonathan Powell fora escolhido por Blair para iniciar as negociações de paz com os partidos de uma Irlanda do Norte profundamente dividida. Nos últimos meses, a tensão entre irlandeses protestantes e católicos estivera ao rubro. As milícias católicas do IRA , que lutavam pela independência da região do Governo britânico, tinham deixado um rasto de atentados à bomba, enquanto o seu partido político, o Sinn Féinn, se preparava para negociar a paz. E apenas um dia depois do retomar das negociações, rebentara uma carrinha armadilhada em Markethill, uma cidade de maioria protestante no Ulster, provocando estragos em vários edifícios e reforçando a insegurança nas ruas.
O clima era, por isso, de enorme crispação. Mas a recusa de Powell em cumprimentar os dirigentes do Sinn Féin, não se repetiria.
Aliás pouco dias depois desse primeiro encontro, o chefe de gabinete de Blair receberia um telefonema de McGuiness pedindo-lhe que voltasse sozinho à Irlanda do Norte para uma conversa a dois. Powell apanhou o avião e depois um táxi para Derry. Aí foi abordado por dois homens enviados pelo político irlandês, que o conduziram durante uma hora às cegas, até um destino secreto.
Foi nessa “casa segura”, que os dois se encontraram. Durante três horas conversaram à volta de uma lareira e de um prato de sanduíches. “Não fizemos grandes avanços, mas o encontro criou um padrão” e um clima de confiança fundamental para que fossem feitos progressos, explicou Powell num artigo no jornal The Guardian.
No ano seguinte, as negociações do Governo britânico com o Sinn Féin e outros partidos políticos do território, culminariam na assinatura do Acordo de Paz de Belfast e na criação do governo autónomo da Irlanda do Norte. Mas as reuniões de Powell, Adams e McGuiness em casas secretas em Dublin, Belfast ou Derry continuariam durante mais uma década.
“Estes encontros e os meus anos de experiência a dialogar com terroristas em diferentes partes do mundo convenceram-me da sabedoria desta abordagem se queremos resolver conflitos de forma duradoura”, relata no mesmo artigo.
Negociar com a Al-Qaeda é possível
Powell têm-se dedicado a mediar a paz um pouco por todo o mundo, como contará na entrevista exclusiva ao Fronteiras XXI desta quarta-feira, onde defende que o Brexit trará novas ameaças à estabilidade na Irlanda do Norte.
A experiência na região revelou que, para chegarem à mesa das negociações, foi preciso os envolvidos perceberem que não conseguiriam vencer-se militarmente. Mas não tem de ser assim: “a comunicação pode começar antes disso”, escreve num outro artigo de opinião, no The Guardian.
O britânico, que desde que abandonou os gabinetes de governo em 2008 se dedica à mediação de conflitos. tem tido um papel activo em muitos consensos. Assessorou, por exemplo, o Presidente colombiano Juan Manuel Santos que assinou um acordo de paz com os guerrilheiros das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), num processo que pôs fim a mais de 50 anos de guerrilha armada.
Powell acredita que o diálogo deve estender-se a grupos terroristas como os talibãs ou a Al–Qaeda. “Cada conflito é diferente mas há formas comuns de estabelecer contacto com terroristas, para abrir canais, para transformar esses canais em negociação e, finalmente, para assegurar uma paz duradoura”, defende. “A minha experiência revela que nenhum conflito é irresolúvel, por mais sangrento, difícil ou antigo que seja”.
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