Gregório Duvivier: «Nunca ganhámos um Nobel da literatura...a culpa é do Nobel»
A Fundação desafiou o ator, humorista e escritor brasileiro, Gregório Duvivier, um dos criadores da série Porta dos Fundos, a falar sobre a importância da língua portuguesa, para o programa Fronteiras XXI.
E o resultado é um olhar único sobre a língua que une os dois lados do Atlântico. Porque o ator não esconde o orgulho que sente em falar português. «Acho a nossa língua admirável, diversa e rica», diz, exaltando o contributo de Fernando Pessoa e de Buarque para que se tornasse a língua da qual «se fez melhor uso no mundo».
Uma das coisas que mais o fascina é a particularidade de existirem palavras portuguesas impossíveis de serem traduzidas. Dá o exemplo de «capricho», que em circunstância alguma aceita ser equiparado a um mero «extra». Durante uma estadia em Paris, o humorista quis pedir que se «caprichasse» no chocolate de uma sobremesa, mas não encontrou uma palavra que lhe fizesse jus. «Por um extra cobra-se, e eu não queria isso. Eu queria um carinho, algo generoso. Eu queria um capricho», conta.
As críticas ao português causam-lhe uma «agonia terrível» e pega nas palavras do escritor Nelson Rodrigues para expressar a ideia de que existe na lusofonia um certo «complexo de vira-lata». «Falamos mal de tudo o que nos diz respeito, inclusive a língua», explica, mostrando-se muito pouco adepto de quem a denomina de «pouco prática» ou de quem invoca a falta de reconhecimento nos prémios Nobel para criticar o português. «No que diz respeito à literatura, a culpa é mesmo do Nobel», garante, sublinhando que não falta qualidade entre autores brasileiros: «Não devem ter lido Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Nelson Rodrigues ou Lima Barreto».
E se letras de músicas podem ser usadas para atribuir esta distinção – como aconteceu com Bob Dylan, a quem foi entregue o Nobel da literatura, em 2016 – Gregório Duvivier diz que apesar deste galardoado ser um justo vencedor, os júris «não devem ter ouvido Chico Buarque ou Caetano Veloso».
A riqueza do português do Brasil está sobretudo nas vogais. Di-lo o escritor, reconhecendo a beleza de não serem economizadas pela população. «Na Baía, por exemplo, valorizamos cada vogal: veja-se como dizemos «córação»». No entanto, em Portugal, considera que há pouco espaço para que sejam devidamente pronunciadas. É como se houvesse «alguma austeridade vocálica», que só faz sobressair a vogal tónica. Telefone? Não. Por cá é «Tefone».