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Dunas

Dunas: a história para lá das areias

Artigo de Joana Gaspar de Freitas, coordenadora do projecto DUNES, financiado por uma Starting Grant do European Research Council.
3 min

Quando digo que sou historiadora e trabalho sobre dunas, há uma pergunta que quase imediatamente se segue: “porque se interessa uma historiadora pelas areias?”. A resposta é simples: os historiadores contam histórias e as dunas têm uma história fascinante para contar.

A palavra “duna” é recente, só começa a ser utilizada em Portugal no século XIX, provavelmente por influência francesa. Antes disso, as dunas eram referidas – em textos e mapas – como “medões”. Os grandes medões da costa eram então um flagelo, mais temidos do que o mar. Porque as areias, sopradas pelo vento, eram empurradas para o interior e cobriam campos agrícolas, estradas, ribeiros e até aldeias, destruindo terra fértil e obrigando as populações a partir. Assim aconteceu em Lavos, a sul da Figueira da Foz, em 1628, forçando os moradores a abandonarem as casas e a deslocarem a igreja para longe do perigo. O que não foi suficiente, pois em 1743 a igreja teve de ser novamente afastada para evitar que as areias a cobrissem.

O que pensei inicialmente ser um problema português, descobri depois ser comum a vários países – Reino Unido, França, Dinamarca, Estados Unidos da América, Brasil, Moçambique e Austrália, por exemplo. Na Europa há legislação antiga – dos séculos XVI e XVII – proibindo o corte da vegetação que crescia nas dunas para impedir que as areias soltas se movessem. As populações locais deviam ter também as suas estratégias para se protegerem dos medões, mas sabe-se pouco sobre isso. O que é certo, é que, em finais do século XVIII, em França, foi desenvolvido um método para fixar as areias, usando vegetação, sebes e árvores. A sua aplicação na Gasconha, no litoral norte francês, mostrou que era possível, a larga escala, converter as dunas (nefastas e sem utilidade) em florestas, que proporcionavam rendimentos ao Estado e aos proprietários. Esta técnica espalhou-se pela Europa. Em Portugal, as dunas da costa norte ocidental foram transformadas – em sucessivas campanhas promovidas pela Monarquia, República e Estado Novo – nas matas públicas litorais que hoje conhecemos. Os portugueses levaram e aplicaram este conhecimento em Angola e Moçambique, em zonas como Porto Alexandre, Baía dos Tigres e Foz do Rio Limpopo.

Na segunda metade do século XX, o paradigma mudou. O êxodo rural, a progressiva urbanização das zonas costeiras e o crescimento do turismo balnear levaram à degradação dos campos dunares existentes. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento do conhecimento científico sobre os sistemas naturais costeiros permitiu perceber o importante papel das dunas no seu funcionamento e os serviços de ecossistema que fornecem: redução do impacto das tempestades, retenção de carbono, filtragem do ar, purificação da água e espaço para várias actividades sócio-económicas. Por conseguinte, nos dias de hoje, as dunas são protegidas e valorizadas. Um pouco por todo o mundo, as autoridades com responsabilidades na gestão do litoral e os cientistas apostam na sua recuperação como a forma mais natural de suster o avanço do mar, provocado pelas alterações ambientais globais.

É esta perspectiva das dunas, associadas a fenómenos globais naturais e humanos, no passado, presente e futuro, que quero mostrar, contando histórias locais. Percepcionamos as dunas como um património natural e gostaria que fossem também percebidas como uma herança cultural, como ambientes híbridos, moldados pelo mar, a areia, o vento e as populações, ajudando assim a contribuir para a sua salvaguarda. Este é o objectivo último do projecto DUNES. Sea, Sand, People, financiado pelo European Research Council, do qual sou coordenadora.

Imagem de uma praia em Scheveningen, em Haia, na Holanda, tirada por HerPrettyBraveSoul, via Unsplash.

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor

Portuguese, Portugal