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De pais para filhos: introdução aos novos estudos da Fundação

De pais para filhos: introdução aos novos estudos da Fundação

Texto de Pedro Pita Barros a propósito dos novos estudos sobre mobilidade social e justiça intergeracional em Portugal.
4 min
«A mobilidade económica e social dá-nos a visão de como evolui uma geração, e de como essa geração se compara com a anterior. Essa visão é complementada com uma análise de aspectos de justiça intergeracional.»

Gerações. A demografia da sociedade portuguesa tem levado a um progressivo envelhecimento da população. A distribuição de recursos entre gerações torna-se, em consequência, mais visível. E informalmente a discussão sobre a “justiça” entre gerações das políticas públicas vai surgindo. Frequentemente essas discussões assentam em visões parcelares e percepções nem sempre bem informadas.

A Fundação Francisco Manuel dos Santos tem como princípio fundador contribuir com conhecimento para um maior exercício da cidadania por todos os portugueses. E a maior liberdade que está associada com o conhecimento e a cidadania.

Pensar em gerações significa olhar para lá do ano em que se está, ou dos poucos anos que constituem a memória mais recente. Dois temas ligados à importância das gerações são a mobilidade económica e social e a justiça intergeracional do nosso quadro de funcionamento enquanto sociedade e das políticas públicas que nele são definidas.

A mobilidade económica e social, ou a falta dela, numa sociedade, é sentida como um elemento da justiça social. Igualdade de oportunidades não é unicamente mobilidade económica e social, mas pouca mobilidade económica e social será normalmente associada com ausência, ou pelo menos problemas, na igualdade de oportunidades. As perguntas centrais que surgem naturalmente quando se fala de mobilidade económica e social em Portugal são: qual o grau de mobilidade económica e social existente na sociedade portuguesa? Aumentou ou diminuiu? E como compara com os nossos parceiros da União Europeia?

O trabalho de Teresa Bago D’Uva e seus colaboradores, que (re)constrói o movimento temporal de educação e salários de diferentes gerações, revela que a mobilidade económica e social em Portugal é tradicionalmente baixa, embora tenha aumentado de forma marcada na década de 70 do século passado. No aumento da mobilidade económica e social houve um papel dominante da mobilidade económica e social das mulheres, que partindo de um situação menos favorável tiveram uma evolução mais rápida no sentido de maior mobilidade social. Ainda assim, a sociedade portuguesa teve sempre uma menor mobilidade económica e social que os seus parceiros europeus, qualquer que seja o indicador e o período temporal considerados.

A mobilidade económica e social dá-nos a visão de como evolui uma geração, e de como essa geração se compara com a anterior. Essa visão é complementada com uma análise de aspectos de justiça intergeracional. Numa sociedade envelhecida, e crescentemente envelhecida, com um crescimento económico anémico, a distribuição de recursos entre gerações assume uma maior visibilidade.

As políticas públicas e o próprio enquadramento constitucional afectam essa distribuição de recursos, seja entre diferentes gerações num mesmo momento do tempo ou entre gerações presentes e gerações futuras.

O volume de textos organizado por Gonçalo Almeida Ribeiro e Jorge Pereira da Silva recolhem posições e argumentos que alguma ordem à discussão, nalguns pontos, e uma saudável desordem noutros, obrigando a uma reflexão que se pretende útil. São apresentadas posições e colocados dilemas para a definição da ordem constitucional, começando pelos fundamentos do que possam ser noções de justiça intergeracional e passando pelas suas implicações para o quadro mais geral (constitucional). Por exemplo, existe um sujeito futuro (geração vindoura) que possa e deva ser considerado com direitos no momento presente? E quem deve intervir na definição desse quadro? Como é que sociedade pode conhecer os seus valores e refletir no seu quadro global de direitos e obrigações?

Há posteriormente a visita a diversas políticas públicas com fortes implicações na distribuição de recursos entre gerações – a dívida e a despesa pública, a dimensão ambiental, a dimensão de um mercado de trabalho em mutação e a dimensão da proteção em idade avançada, a segurança social e as pensões.

Não são discussões que encerram os temas. São antes discussões que iniciam um percurso de debate que deverá interessar a todos os cidadãos, qualquer que seja a geração a que pertençam.

Tomados em conjunto, estes estudos permitem-nos compreender melhor a evolução recente das diferentes gerações e os dilemas que se colocam à sociedade portuguesa.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

Portuguese, Portugal