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Imagem de duas crianças penduradas de cabela para baixo num balouço de argolas.

As crianças devem aproveitar o verão para explorar e arriscar

Em Portugal, a maioria das crianças não cumpre as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre atividade física, tempo passado a ver ecrãs e sono. A cientista do desporto Rita Cordovil explica, neste artigo, como as férias de verão são uma oportunidade para os pais incentivarem os filhos a explorarem novos ambientes e a correrem alguns riscos. E como isso é essencial ao seu desenvolvimento.
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Com a chegada das férias de verão, as crianças têm mais tempo livre e as rotinas familiares são alteradas. Durante as férias, há uma natural necessidade de pais e filhos descontraírem, aliviarem o peso das rotinas e experimentarem mudanças.

Este período proporciona oportunidades únicas de encontro, descoberta de novos ambientes e desafios, e a partilha de interesses e emoções em atividades divertidas. No entanto, a gestão do tempo de férias nem sempre é fácil e por vezes é preciso fazer um esforço para sair de casa e evitar o sedentarismo.

Muitas famílias tentam combater da melhor forma que conseguem o aumento do tempo de ecrã nesta altura. Manter os filhos afastados do telemóvel, da televisão, do tablet e do computador pode ser um desafio complicado, mas é fundamental que as crianças continuem ativas durante as férias escolares.

Em Portugal, a maioria das crianças não cumpre as recomendações da OMS relativas à atividade física, tempo em ecrãs e sono, e a situação pode agravar-se nos períodos de interrupção letiva.

Imagem com as recomendações da OMS para as atividades das crianças entre 1 e 5 anos de idade
As crianças não devem estar em frente à televisão ou a um tablet antes do primeiro ano de vida, alerta a OMS.

O verão pode ser a altura ideal para contrariar o sedentarismo, planear passeios e aventuras no exterior e encorajar a atividade física, as brincadeiras arriscadas e a autonomia das crianças.

Muitos pais certamente ficarão desconfortáveis com a ideia de promover brincadeiras arriscadas. Mas então não devemos proteger sempre os nossos filhos e evitar a todo o custo que se coloquem em risco?

Não. Devemos deixá-los testar os seus limites e explorar o mundo à medida que se desenvolvem, o que não é possível se não os deixarmos arriscar. Nenhuma criança começa a andar sem arriscar, sem se desequilibrar, sem cair muitas vezes. A conquista de autonomia implica aprender a lidar com o risco.

Grande parte das brincadeiras infantis sempre esteve relacionada com o medo e a sua superação, as crianças buscam ativamente a emoção em situações de risco, como correr ou balançar com muita velocidade, subir mais alto ou saltar de alturas.

 
Arriscar é fundamental para o desenvolvimento dos mais novos

Quando, já adultos, nos tentamos recordar da nossa brincadeira preferida em crianças, provavelmente pensamos numa brincadeira realizada ao ar livre, com amigos, sem supervisão e em que havia algum tipo de risco envolvido. No entanto, as brincadeiras arriscadas, aquelas que as crianças consideram excitantes e emocionantes e que implicam incerteza e risco de se magoarem, têm vindo a diminuir ao longo das gerações.

A redução do tempo, do espaço e da permissão que as crianças têm para realizar brincadeiras arriscadas é preocupante, porque elas são fundamentais para o bem-estar da criança e têm vários benefícios para o seu desenvolvimento.

A nível físico, brincar de forma ativa contribui para o desenvolvimento da coordenação motora e da aptidão física das crianças. Por outro lado, quando as crianças têm oportunidade de brincar sem supervisão constante, desenvolvem a sua autonomia e capacidade de tomada de decisão e de resolução de problemas.

Brincadeiras com risco envolvem também a possibilidade de lesão quando a criança erra, sendo normal que ocorram, por exemplo, pequenas quedas e arranhões. Enfrentar estas situações ensina as crianças a lidar com adversidades, a recuperar dos fracassos, tornando-as mais resilientes.

A nível emocional, as brincadeiras que envolvem um certo nível de risco ajudam as crianças a reconhecer e aprender a gerir as suas emoções, como medo, excitação e frustração. Por fim, quando as brincadeiras envolvem outras crianças, promovem também a partilha, colaboração e a negociação, fundamentais para o desenvolvimento das habilidades sociais.

Em vez de impedir a criança de arriscar e gritar logo «cuidado», os adultos devem esperar. No Norte da Europa a regra é a de cumprir 17 segundos, dando tempo à criança para que explore e avalie os riscos por si própria.
Cientista do desporto e Professora na FMH
Como promover risco controlado?

Tendo em conta todos estes benefícios, como podem os pais promover brincadeiras arriscadas ao ar livre? O primeiro passo é permitir o acesso das crianças a ambientes que elas possam explorar de forma ativa testando os seus limites.

O parque, a praia, um trilho na floresta, um passeio de bicicleta, uma saída pela vizinhança à noite, são exemplos de atividades que podem oferecer desafios apropriados ao nível de desenvolvimento de cada criança.

A participação dos vários membros da família nas brincadeiras poderá reforçar laços, encorajar crianças com tendências mais sedentárias a serem mais ativas e adultos a reviverem alegrias da infância. A exploração dos vários ambientes não precisa de ser logo feita de forma independente pela criança, podendo haver uma avaliação inicial dos riscos entre pais e filhos. Por exemplo, é natural o pai ou a mãe darem conselhos sobre que galho a criança deve agarrar ou onde pode tentar apoiar os pés quando ela se aventura pela primeira vez a subir a uma árvore, ou quando percebe que descer afinal é muito mais complicado do que subir. Mas, após algumas tentativas, é natural e desejável que os conselhos dos pais vão diminuindo e que a autonomia da criança vá aumentando. A tentativa de intervir na ação das crianças com menos frequência não é fácil, e por vezes precisa de ser treinada pelo adulto.

Em vez de impedir a criança de subir, gritar logo «cuidado», ou orientar as ações da criança passo a passo, os adultos devem esperar. Um conselho muito utilizado nos países do Norte da Europa é que tentem cumprir a regra dos 17 segundos, dando aproximadamente esse tempo à criança para que ela explore e avalie os riscos por si própria quando a situação não é de perigo iminente. Esta abordagem que implica recuar e observar as reações e comportamentos das crianças promove a independência e a autonomia, à medida que elas aprendem a enfrentar os desafios e a tomar decisões sobre a sua própria segurança.

 

As férias são uma oportunidade para criar memórias que ficam para sempre. Essas memórias podem ser uma aventura que tivemos em família, um joelho esfolado no dia em que aprendemos a andar de bicicleta, o nervoso na barriga que sentimos quando fomos sozinhos comprar pão pela primeira vez.
Cientista do desporto e Professora na FMH

O desequilíbrio entre o tempo de férias dos pais e dos filhos faz com que muitas crianças passem bastante parte das férias em casa. Nesse caso, é importante que não fiquem agarradas aos ecrãs e que sejam estimuladas a brincar livremente, para criarem as suas próprias brincadeiras, tomarem as suas próprias decisões, criarem desafios, errarem e perceberem as consequências dos seus erros enquanto brincam.

Se tiverem a companhia de outras crianças as brincadeiras serão certamente mais divertidas. As férias podem ser uma excelente oportunidade para conhecerem finalmente os vizinhos do próprio prédio ou do bairro. Pode haver algumas formas divertidas de o fazer. Porque não correr o risco de tocar às campainhas e fugir, deixando um desenho ou uma prenda que irá certamente melhorar o dia do vizinho que a receber? Porque não começar a fazer alguns recados, como ir comprar algo à loja mais próxima?

As férias são uma oportunidade para criar memórias que ficam para sempre. Essas memórias podem ser uma aventura que tivemos em família, a casa na árvore que construímos com amigos, um joelho esfolado no dia em que aprendemos a andar de bicicleta, o nervoso na barriga que sentimos quando fomos sozinhos comprar pão pela primeira vez, ou o dia em que conhecemos um amigo quando tivemos coragem de lhe tocar à campainha. Todas elas serão lembradas com um sorriso que não seria possível se não tivéssemos tido oportunidade de brincar e de arriscar.

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