"Arranhar o céu sem magoar a Terra"
Quase 70% da população mundial terá migrado para as cidades até 2050. No mundo, seremos cerca de 10 mil milhões de pessoas. Os dados das Nações Unidas revelam o enorme desafio que o mundo tem pela frente: como alojar e alimentar toda esta população sem aumentar a pegada ecológica? Luís Bettencourt, director do Instituto Mansueto para a Inovação Urbana da Universidade de Chicago, acredita que as soluções estão aí e só têm de ser postas em prática.
por Filipa Basílio da Silva
Reveja o Fronteiras XXI “O que é que podemos fazer pelo planeta?”
Temos de estar todos! É uma questão existencial e é assim que se evolui. Temos de ter a visão e a sabedoria para criar um sistema melhor. Precisamos de mudar a forma como as sociedades e as cidades funcionam, não basta resolver problemas do dia-a-dia. A maior parte dos centros urbanos crescem rapidamente e vão reagindo às necessidades de crescimento e de melhoria das condições de vida dos seus habitantes, mas não antecipam os problemas. Daqui para a frente não poderá ser assim, as cidades têm de ter cada vez menos impacto ambiental. A vantagem é que têm um papel de liderança e uma capacidade prática de modificar sistemas, comportamentos e hábitos de consumo. É nas cidades que as mudanças têm que ocorrer.
Sim, não é um mistério. A maior parte da poluição atmosférica resulta da combustão de combustíveis fósseis. Mas as soluções são conhecidas. O melhor exemplo é Pequim. Quando a China organizou os jogos Olímpicos, encerrou as fábricas e o ar ficou limpo. Só que esse foi um evento pontual, a vida e a economia não páram. É preciso transformar tecnologicamente os sectores da energia, dos transportes, do tratamento de resíduos, de forma a que permitam que a actividade das cidades continue, com muito menos poluição.
Pois, a melhoria das condições de vida esteve sempre associada a um maior consumo de produtos e de bens. Vamos precisar de muito mais energia, de facto, mas existe solução: produzir essa energia de forma renovável – aproveitando a luz solar, a força do vento e da água. A produção de energia não tem que criar poluição. Além disso, um motor eléctrico é cerca de 80% mais eficiente do que um motor a combustão. Portanto, há ganhos de eficiência em mudar as infra-estruturas e os transportes, com a vantagem de que deixa de haver tanta poluição. Depois, o consumo de bens tem que ser alterado com a ajuda do design, da reciclagem, de uma economia mais circular. As soluções existem, é mais uma questão da velocidade a que estes problemas são resolvidos para que possa continuar a haver desenvolvimento e crescimento humanos sem comprometer a sustentabilidade do ambiente.
O betão e o cimento são terríveis do ponto de vista da energia que consomem e da poluição que provocam. E as cidades vão ter uma densidade populacional maior e vai ser necessário construir mais edifícios, que, não sendo todos arranha-céus, deverão ter pelo menos cinco andares. Ninguém quer cortar árvores, mas, se o fizermos de forma sustentável, colocar madeira em edifícios é uma forma de resolver o problema e sequestrar CO2 de forma permanente. Estão a construir-se cada vez mais prédios altos em madeira. O desafio é a escala. Para se conseguir uma redução significativa do CO2 na atmosfera e responder às necessidades de cidades enormes, como na Ásia, na Índia e em partes de África, teria que se criar uma silvicultura intensiva – em que as árvores são replantadas à medida que são cortadas. Isso até seria bom, porque as árvores sequestram mais CO2 quando estão a crescer do que depois de atingirem a sua altura máxima e maturidade. É um ciclo positivo, faz sentido económico e é tecnicamente exequível.
Há várias razões para as cidades disponibilizarem mais estes espaços de lazer e ecológicos e incentivarem à sua utilização. Muitas dessas motivações estão relacionadas com o bem-estar dos habitantes, porque a possibilidade de andar de bicicleta e a pé torna a vivência nas cidades mais agradável. Depois, as plantas ajudam a captar dióxido de carbono da atmosfera e a limpar o ar, o que contribui para a saúde das pessoas. Além disso, a vegetação permite que as cidades não aqueçam tanto, criando oportunidades de sombra e não deixando o material urbano sobreaquecer nas estações mais quentes. Isso significa que os habitantes vão usar menos energia para arrefecer as casas e gastar menos dinheiro. Chama-se a isto serviços ecológicos, porque há uma sinergia entre esse ecossistema e os consumos humanos que evita muita poluição. Do ponto de vista da produção de comida, as hortas urbanas têm vantagens na medida em que não se gastam recursos no acondicionamento e transporte desses alimentos. Mas ainda é muito difícil justificar, economicamente, a produção de comida assim porque os terrenos urbanos são muito caros.
Muitas cidades americanas estão a promover uma maior utilização da bicicleta como veículo de transporte diário. Tanto Nova Iorque como Los Angeles estão a descarbonizar a sua produção de electricidade muito rapidamente. Aqui, em Chicago, há um grande programa de hortas urbanas nos telhados dos prédios, que permite proporcionar espaços de lazer e fazer uma climatização natural dos edifícios. Singapura também é um bom exemplo, têm muitos prédios com fachadas verdes. Todas as grandes cidades, Lisboa incluída, estão a instalar pontos de carregamento de veículos eléctricos. E um dos maiores desafios para as cidades portuguesas são precisamente os transportes e os automóveis. Aí os líderes são países nórdicos como a Noruega, que já electrificou metade do seu parque automóvel. Está a observar-se uma dinâmica muito positiva, em que as cidades tentam copiar-se umas às outras e competem para ver qual consegue fazer melhor.
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor
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