44 anos de Revolução
Nos dias que correm, os dias vorazes das redes sociais, há efemérides para todos os gostos. Há efemérides relevantes, efemérides insignificantes e até efemérides entediantes.
Há ainda efemérides indispensáveis que são especialmente celebradas, de tempos a tempos, quando um determinado acontecimento atinge um número redondo, mais apresentável. Toda a gente sabe, embora ninguém consiga explicar porquê, que os números ímpares são mais atraentes do que os números pares. Mas há números pares e números pares. Pior do que 44 é difícil. Quanto a mim, é já tempo de acabar com esta mania de subordinar as efemérides à estética – sempre discutível – dos números.
Imbuído do espírito revolucionário, decidi então compilar uma série de dados do Inquérito Social Europeu e do Eurobarómetro sobre a democracia portuguesa para celebrar devidamente mais um aniversário da Revolução dos Cravos.
1. Os portugueses são os mais satisfeitos com a democracia que têm, entre os povos da Europa do Sul. O nível de satisfação tem aumentado, consistentemente, desde Novembro de 2013, o que poderá estar correlacionado com o momento de viragem da economia portuguesa, ainda durante o programa de ajustamento acordado com a tróica (2011-2014). Como se constata no gráfico seguinte, há praticamente uma sobreposição entre a satisfação com a democracia e a avaliação que os inquiridos fazem da economia portuguesa, desde que estes indicadores começaram a ser recolhidos. Esta sobreposição não é surpreendente, se tivermos em conta que o eleitorado português é, na sua grande maioria, influenciado por considerações de curto prazo, como a avaliação dos líderes partidários e do desempenho da economia.
2. Em toda a Europa do Sul, Malta é o único país a confiar mais do que Portugal no parlamento nacional. Contudo, os países do Sul da Europa estão ainda muito longe dos países nórdicos (e da Holanda), onde os índices de confiança são genericamente mais elevados, independentemente do indicador.
3. Portugal é o país da Europa do Sul, juntamente com Malta, que mais confia nos partidos políticos. Os partidos portugueses nunca granjearam a confiança de mais de 25% dos cidadãos desde que este indicador começou a ser recolhido, no ano 2000. A verdade é que a cotação dos partidos políticos já teve melhores dias em toda a Europa. O país onde os inquiridos mais confiam nos partidos é a Holanda (43%), enquanto a Grécia é o país a apresentar piores resultados (5%).
Não existindo dados mais antigos, a única coisa que podemos fazer é extrapolar. É bastante plausível que os partidos políticos portugueses tenham gerado mais confiança nos cidadãos durante os primeiros anos da transição democrática, uma vez que os índices de participação política e de filiação partidária eram bastante mais elevados nos anos 1970 e 1980 do que são hoje. É natural que o cepticismo dos eleitores portugueses em relação aos partidos – e à política em geral – tenha aumentado com a prática democrática, como geralmente acontece em todas as democracias consolidadas. A redução do fervor inicial é, acima de tudo, demonstrativa da normalização da nossa democracia.
4- Os portugueses são um dos povos da Europa que mais confia na imprensa. Somos, inclusivamente, o povo da Europa do Sul que mais confia no chamado quarto poder. Este resultado pode parecer paradoxal se tivermos em consideração que o número de edições, o número de jornais em circulação e o número de jornais vendidos, tem diminuído drasticamente na última década. Por estranho que pareça, só os nórdicos e os holandeses confiam mais na imprensa do que os portugueses.
5- Somos o povo da Europa do Sul que apresenta níveis mais baixos de participação política. De acordo com os dados do Inquérito Social Europeu, os eleitores portugueses são os que menos contactam os políticos directamente, algo que poderá ser explicado pelo facto dos deputados à Assembleia da República serem eleitos em listas fechadas e bloqueadas definidas pelos partidos políticos, ou ainda pelo facto de alguns círculos eleitorais – como Lisboa, Porto e Braga – terem um número inusitado de deputados. A verdade é que estes estão constitucionalmente impedidos de representarem o seu círculo eleitoral em detrimento do país, um resquício da transição democrática, algo que deverá inibir o contacto dos eleitores, ao saberem que os assuntos locais não são particularmente valorizados no parlamento.
Os portugueses são ainda dos europeus que menos usam material de campanha (como o símbolo de um partido ou movimento político), que menos participam em manifestações, que menos assinam petições, e que menos boicotam determinados produtos enquanto statement político.
No final do mês de Maio são esperados novos dados do Inquérito Social Europeu e do Eurobarómetro, que poderão ser consultados no POP – o portal da opinião pública da Fundação Francisco Manuel dos Santos. É possível que estes dados sofram algumas alterações nessa altura, mas o 25 de Abril é uma efeméride indispensável e, por isso mesmo, há que celebrá-la, sempre.
João Tiago Gaspar, politólogo e doutorando em ciência política e relações internacionais, faz parte da equipa de estudos da Fundação.
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.