Lições da dívida – um exercício prático
A Fundação lançou um simulador da dívida pública no âmbito do programa Fronteiras XXI que vai debater este tema, no dia 5 de Abril às 22:00 na RTP3. O autor do simulador, Pedro Romano, explica aqui o simulador e o que ele nos ensina sobre a dívida portuguesa.
A próxima edição do programa Fronteiras XXI vai discutir a questão da dívida portuguesa. Este é um tema polémico e controverso. Se juntar vários economistas numa sala a debatê-lo, é provável que o leitor rapidamente dê por si a repetir o lamento de Winston Churchill, que se queixava de obter mais do que uma opinião sempre que falava com dois representantes da classe (a não ser que um dos economistas fosse John Maynard Keynes, «in which case I would get three answers». Não faço ideia se a citação é correcta ou se é apenas mais uma das muitas referências apócrifas que circulam acerca de Keynes).
Mas apesar da divergência, a verdade é que a maioria dos economistas partilha uma abordagem comum quando discute este tipo de problemas. Tomemos como exemplo a questão da dívida pública. Será possível pagá-la no tempo devido e nas condições acordadas? Ou será que já se tornou uma enorme bola de neve, aumentando sem parar à medida que rebola pelo desfiladeiro? Há certamente respostas diferentes à pergunta de partida. Mas todas elas, de uma forma ou de forma, são obtidas através de um processo semelhante: simulações de sustentabilidade da dívida.
A criação de um simulador desse género tem dois objectivos. Por um lado, pretende ajudar o utilizador a perceber um pouco melhor como é que os economistas pensam sobre esta questão. Ou, dito de outra forma, dar-lhe as ferramentas de que necessita para compreender – e, com algum esforço, falar também – esta ‘linguagem partilhada’.
Por outro lado, e porque o simulador está ajustado às circunstâncias específicas de Portugal, esta ferramenta ‘obriga’ o utilizador a confrontar-se com as opções concretas que se colocam aos policy-makers. Ao ‘sentar-se ao leme’ do Orçamento do Estado, o leitor será capaz de formar uma ideia mais apropriada do tipo de escolhas que estão em cima da mesa e quais as implicações de cada uma. É uma forma conveniente de disciplinar argumentos e ‘trazer de volta à terra’ uma discussão que às vezes se torna um pouco estratosférica.
As ‘regras’ do simulador são simples e estão, espero eu, bem explicadas na página correspondente. Por isso, em vez de recapitular o manual de instruções farei uma coisa que me parece mais útil: mostrar algumas das conclusões que se podem retirar do modelo e ilustrar algumas das suas propriedades. No final espero que partilhem a conclusão a que eu próprio cheguei quando comecei a usar a ferramenta, uns anos atrás: nestas coisas, o diabo está quase sempre nos detalhes.
A próxima edição do programa Fronteiras XXI vai discutir a questão da dívida portuguesa. Este é um tema polémico e controverso. Se juntar vários economistas numa sala a debatê-lo, é provável que o leitor rapidamente dê por si a repetir o lamento de Winston Churchill, que se queixava de obter mais do que uma opinião sempre que falava com dois representantes da classe (a não ser que um dos economistas fosse John Maynard Keynes, «in which case I would get three answers». Não faço ideia se a citação é correcta ou se é apenas mais uma das muitas referências apócrifas que circulam acerca de Keynes).
Mas apesar da divergência, a verdade é que a maioria dos economistas partilha uma abordagem comum quando discute este tipo de problemas. Tomemos como exemplo a questão da dívida pública. Será possível pagá-la no tempo devido e nas condições acordadas? Ou será que já se tornou uma enorme bola de neve, aumentando sem parar à medida que rebola pelo desfiladeiro? Há certamente respostas diferentes à pergunta de partida. Mas todas elas, de uma forma ou de forma, são obtidas através de um processo semelhante: simulações de sustentabilidade da dívida.
A criação de um simulador desse género tem dois objectivos. Por um lado, pretende ajudar o utilizador a perceber um pouco melhor como é que os economistas pensam sobre esta questão. Ou, dito de outra forma, dar-lhe as ferramentas de que necessita para compreender – e, com algum esforço, falar também – esta ‘linguagem partilhada’.
Por outro lado, e porque o simulador está ajustado às circunstâncias específicas de Portugal, esta ferramenta ‘obriga’ o utilizador a confrontar-se com as opções concretas que se colocam aos policy-makers. Ao ‘sentar-se ao leme’ do Orçamento do Estado, o leitor será capaz de formar uma ideia mais apropriada do tipo de escolhas que estão em cima da mesa e quais as implicações de cada uma. É uma forma conveniente de disciplinar argumentos e ‘trazer de volta à terra’ uma discussão que às vezes se torna um pouco estratosférica.
As ‘regras’ do simulador são simples e estão, espero eu, bem explicadas na página correspondente. Por isso, em vez de recapitular o manual de instruções farei uma coisa que me parece mais útil: mostrar algumas das conclusões que se podem retirar do modelo e ilustrar algumas das suas propriedades. No final espero que partilhem a conclusão a que eu próprio cheguei quando comecei a usar a ferramenta, uns anos atrás: nestas coisas, o diabo está quase sempre nos detalhes.
1. Aprender a viver com a dívida (pelo menos na próxima década)
Num cenário de ‘políticas invariantes’ – que corresponde grosso modo a não mexer mais nos impostos e na despesa pública daqui para a frente, deixando a política orçamental em ‘piloto automático’ – a dívida pública desce muito lentamente. Cruza a fasquia dos 100% do PIB daqui a cerca de duas décadas, e chega a 2045 ainda acima dos desejados 60% do PIB.
Mas se o leitor perder algum tempo a manipular o simulador e a traçar cenários alternativos é provável que acabe por concluir que, a este respeito, não há muita coisa a fazer. É possível reduzir a dívida para valores mais seguros e confortáveis, mas apenas a longo prazo. Em horizontes curtos, estamos ‘quase’ de mãos atadas.
Experimente, por exemplo, implementar um programa de consolidação orçamental de 5% do PIB. Para terem uma noção das coisas, esta é uma consolidação superior ao ajustamento combinado dos Orçamentos de 2012 e 2013. Mas nem uma consolidação desta magnitude é suficiente para colocar Portugal rapidamente abaixo da fasquia dos 60%. Na verdade, a dívida continuaria acima dos 100% do PIB durante os próximos cinco anos.
Esta simulação mostra como a inércia da dívida pública é elevada. Se a política orçamental for a única alavanca à disposição de Portugal, então a implicação da simulação é que não há, em termos práticos, muito que se possa fazer para pôr as contas em ordem nos próximos anos. Ou melhor, aquilo que se pode fazer só produzirá frutos num horizonte temporal bastante longo. Nos próximos anos vamos mesmo ter de aprender a viver com a dívida.
2. Cuidado com os efeitos de coice
Continuemos sintonizados com a simulação anterior. No cenário simulado, estudámos o efeito de uma consolidação de 5% do PIB, que se materializa numa descida do défice de igual magnitude (ou, tecnicamente falando, numa melhoria do saldo primário). Mas ignorámos um efeito importante: o facto de o programa de consolidação ter efeito no crescimento económico e, por essa via, afectar a evolução do PIB.
E se levarmos esse efeito em consideração? O simulador permite levar em consideração esse efeito. Basta fazer scroll-down e ‘ligar’ o botão do ‘multiplicador’. E se o ‘correr’ até ao valor máximo (“2”) poderá descobrir que as conclusões da simulação anterior ficam, nos primeiros anos, de pernas para o ar. De forma um pouco paradoxal, a consolidação acaba por aumentar o peso da dívida pública, em vez de o reduzir.
Mas esta conclusão so é paradoxal à primeira vista. O que a simulação está a fazer é a aplicar duas forças de sentido contrário: por um lado, reduz o défice orçamental, o que contribui para reduzir o ritmo de acumulação de dívida pública; por outro lado, afecta negativamente o crescimento económico, o que tem o efeito directo de diminuir o denominador do rácio dívida/PIB e o efeito indirecto de reduzir as receitas fiscais, o que anula parcialmente o efeito inicial de diminuição do défice. E o que acontece, neste caso concreto, é que o segundo efeito (‘efeito de coice’) é tão forte que se sobrepõe ao primeiro, levando a um aumento da dívida.
Apesar de contra-intuitiva e surpreendente, esta propriedade está longe de ser uma idiossincrasia deste simulador. E também não depende do facto de termos escolhido um multiplicador elevado: exactamente o mesmo efeito podia ser obtido com multiplicadores ligeiramente inferiores à unidade. Conclusões semelhantes foram obtidas pelo FMI e pelo Banco de Portugal. Neste caso, pelo menos, estamos em boa companhia.
3. Quantos juros são juros a mais?
No último ano e meio as condições financeiras em que Portugal consegue emitir dívida agravaram-se substancialmente. Se no início de Janeiro de 2016 era possível obter financiamento de longo prazo (10 anos) a uma taxa de juro de 2,5%, hoje em dia é preciso pagar 4% para emitir dívida na mesma maturidade. Como é que estas novas condições afectam o perfil da dívida?
O simulador permite-lhe ter uma resposta aproximada a esta questão. Basta ir seleccionando a opção ‘taxa de juro cobrada ao Estado’ e reparar nas mudanças correspondentes na evolução da dívida.
Dito isto, um alerta. A ‘taxa de juro cobrada no simulador’ corresponde à média de todas as taxas de juro que o Estado paga aos seus credores, e não apenas a quem lhe empresta dinheiro nas maturidades mais longas. Por exemplo, neste momento essa taxa média é pouco superior a 3%.
Pedro Romano é o autor do livro 'Conhecer a crise: dados e factos', disponível em PDF gratuito.
A dívida portuguesa vai ser debatida no programa Fronteiras XXI do dia 5 de Abril, às 22:00 na RTP3.
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.