Sim, em determinadas condições.
Tem-se entendido que um erro médico no diagnóstico que antecede o nascimento e que não detectou uma deficiência grave pode justificar um direito indemnizatório aos pais da criança em causa: uma indemnização reparatória que consiste num cálculo dos encargos que seriam suportados com o filho pelas condições com que o mesmo vai viver. Isto sucede porque um diagnóstico correcto permitiria, em princípio, interromper a gravidez numa situação na qual o aborto se considera justificado.
Estaria então em causa o cumprimento defeituoso de um contrato de prestação de serviços estabelecido com o médico em questão e também do dever de informar que a este incumbia.
Discute-se, entre os juristas e nos tribunais, se a indemnização pode ser atribuída à própria criança, mesmo representada pelos pais, uma vez que isso seria aceitar um direito à não-existência (ou não-vida).
Se a deficiência grave for motivada, ela própria, por uma intervenção médica, o direito indemnizatório caberá sem dúvida à própria criança. O erro pode dar origem à indemnização por actos ou omissões na prestação de cuidados de saúde (violação do direito à integridade física). Cabe ao lesado — no caso a criança, através de quem a representa — o ónus de provar os factos que integram a responsabilidade do médico. Importa saber se a conduta em causa foi fruto de uma deliberação pessoal (ou seja, se o médico estava ciente das eventuais consequências da sua conduta e aceitou-as como possíveis) ou se se tratou de uma falha cometida com negligência, que resultou num acidente imprevisível. A negligência é uma omissão de cuidado que pressupõe também que o médico não cumpriu as regras e exigências de uma actuação profissional.
Reconhece-se hoje que a responsabilidade médica integra não só a conduta do médico mas também os acidentes fora do seu controlo: erros administrativos, falta de organização dos centros hospitalares, etc. Assim, não se exclui a culpa do ente colectivo (uma instituição de saúde, em princípio) por haver responsabilidade dos agentes que actuaram em seu nome, pois o facto ilícito pode resultar de um conjunto de factores.
CIV
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Constituição da República Portuguesa, artigos 1.º; 24.º e 25.º; 71.º, n.º 2
Código Civil, artigos 66.º, n.os 1 e 2; 358.º; 364.º; 393.º; 483.º, n.º 1; 563.º; 799.º, n.º 1; 1154.º
Código de Processo Civil, artigos 607.º, n.º5 e 608.º, n.º 2.
Código Penal, artigo 142.º, n.º 1, c)
Decreto-Lei n.º 282/77, de 5 de Julho, alterado pela Lei n.º 9/2024, de 19 de janeiro
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Junho de 2001 (processo 01A1008)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Janeiro de 2013 (processo n.º 9434/06.6TBMTS.P1.S1)