Portugal: É urgente fazer a transição energética
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Portugal continua a ser um País abastecido maioritariamente por recursos energéticos fósseis. Em 2011, 77% do total de energia primária do País era de origem fóssil e em 2018, 76% (Direção-Geral de Energia e Geologia – DGEG), embora estes anos tenham sido similares em termos do índice de produção hidroelétrica (Redes Energéticas Nacionais – REN). Mesmo em 2016, ano recorde de produção hidroelétrica, o total de carvão, gás natural e petróleo que nos abasteceu manteve-se teimosamente em 76% face ao total de recursos energéticos consumidos. No início da década de 2000, antes da entrada da produção elétrica eólica, aquele valor situava-se em torno dos 83% (e.g. 2004).
Ou seja, embora na última década exista uma narrativa contínua da política pública sobre o desígnio nacional de se evoluir para uma economia de baixo carbono, e para o aproveitamento dos recursos endógenos renováveis – aliás suportada por vários documentos técnicos que demonstram o seu custo-eficácia e impacto positivo na economia – a verdade é que não assistimos a qualquer alteração estrutural da matriz energética nacional.
Nos últimos 10 anos, Portugal reduziu o consumo de energia final das principais atividades (i.e. indústria transformadora e construção, transportes nacionais e edifícios), mas a estrutura do consumo energético pouco se alterou.
Uma das explicações é com certeza o enfoque que a política pública energética tem colocado na eletricidade renovável, quando esta forma de energia representa apenas cerca de 25% do total. A aceleração da transição energética em Portugal deve cuidar das três parcelas fósseis que continuam a abastecer ¾ das necessidades energéticas do País: o carvão, o petróleo e o gás natural.
Três ideias-chave para acelerar a transição energética no País incluem: a saída do carvão para a produção de eletricidade, a saída dos produtos petrolíferos da mobilidade de pessoas e bens, e a mudança radical nas políticas públicas de eficiência energética dos edifícios (residenciais e serviços). Estas alterações requerem políticas públicas inovadoras, ativas e urgentes, algumas com exemplos em vários países que podem servir de inspiração. É o caso do Reino Unido, com o modelo Energy Saving Trust, que permite chegar muito perto das famílias e empresas.
Antecipa-se a saída do carvão do sistema elétrico nacional no muito curto prazo, para o que têm sido decisivas as políticas públicas em vigor. Desde logo, o preço das licenças de emissão de CO2 (em torno dos 25€/t CO2) que as centrais térmicas são obrigadas a adquirir no Mercado Europeu de Licenças de Emissão para poderem funcionar. Mas também o agravamento do Imposto sobre Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) que incide no carvão consumido pelas centrais termoelétricas de Sines e do Pego, aprovado no Orçamento de Estado de 2018. Além disso, os valores muito baixos de custo para a produção elétrica atingidos nos leilões para produção fotovoltaica, efetuados recentemente pelo Governo, são decisivos para a saída do carvão da produção elétrica.
Já o modelo atual de mobilidade, assente quase exclusivamente em produtos derivados de petróleo, é um enorme desafio a vencer, a que as políticas públicas devem olhar com arrojo. Representando aproximadamente ¼ das emissões totais de gases com efeito de estufa do País, os transportes e o modelo de mobilidade deve ser objeto de intervenção integrada de políticas públicas.
A mobilidade elétrica (eletricidade renovável), uma opção que pode ser até cinco vezes mais eficiente face aos atuais modelos a gasolina e gasóleo, e partilhada (menos recursos para o mesmo serviço) são os vetores principais para a transição limpa dos transportes. No entanto, mesmo com os veículos elétricos a baixarem de preço, o sistema de carregamentos pensado atualmente muito dificilmente irá promover a massificação da mobilidade elétrica.
As políticas públicas devem colocar recursos na inovação tecnológica e em novos modelos regulatórios de novas soluções de carregamento e de modelos de mobilidade partilhada de pessoas e bens. Já existem várias alternativas de carregamento, como um esquema do tipo Airbnb para as lojas e serviços que usualmente existem nos pisos ao nível da rua nas cidades ou o modelo de troca de baterias, [3]. A mobilidade elétrica e partilhada deve tornar-se mainstream nos próximos 5-10 anos. A geração que está agora a chegar aos 30 anos e começa a ter recursos para comprar ‘mobilidade’ (carros e/ou serviços) está sensibilizada para estas opções e não devemos gorar as suas expectativas.
Um pouco mais de metade (55% em 2017, DGEG) do consumo de energia nos edifícios residenciais e de serviços é electricidade. O consumo de energia nos edifícios em Portugal representa cerca de 30% do total nacional. Consumir menos e sem emissões deve ser o desígnio para os nossos edifícios.
A política pública deve promover a produção renovável local, por exemplo, em modelos de cooperativas mais ou menos alargadas (rua ou bairro), e complementares entre famílias e serviços, sempre que adequado. Uma nova geração de políticas para a eficiência energética nos edifícios, com impacto direto na melhoria do conforto térmico, deverá centrar-se na proximidade aos consumidores. Dar acesso às opções disponíveis para cada caso, às opções de financiamento ou de incentivo, e à assistência na implementação tem mostrado em vários países europeus que é a chave para acelerar a eficiência energética nas habitações. Definitivamente os municípios estão melhor posicionados para implementarem mecanismos de proximidade que assegurem com eficácia e rapidez a transição energética dos edifícios.
Sem políticas públicas coerentes, integradas e inovadoras, a transição energética demorará o tempo que os mercados quiserem, que será seguramente bem mais do que a emergência climática exige de toda a sociedade.
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O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor