O paradoxal plano de reestruturação da TAP
A TAP possui uma dimensão histórica incomparável à de qualquer outra empresa pública, com profundos impactos sociais, políticos e económicos que se estendem aos mais variados grupos sociais e sectores de atividades. Talvez por isso, esta profundidade histórica criou uma condescendência coletiva sobre uma empresa cujo desempenho económico é, desde há muito tempo, insuficiente para garantir a sua sobrevivência.
As últimas duas décadas foram marcadas pela profissionalização da gestão da empresa, da qual resultou uma reestruturação da rede. A face mais visível dessa reestruturação foi o crescimento de atividade, em voos e passageiros, tendo, na última década, duplicado o número destes últimos. Mas o sucesso operacional não se traduziu em resultados económicos. Sob a perspetiva estrita da gestão empresarial, acumulou anos de prejuízos avultados, agravados por estratégias falhadas em atividades non-core, que redundaram na necessidade de encontrar um parceiro privado capaz de capitalizar uma empresa em falência técnica.
A privatização em 2015 pretendeu ser uma bússola para encontrar uma trajetória de sustentabilidade económica. Essa estratégica assentou numa continuada aposta de crescimento (25% mais voos), sustentado em investimento (30 aviões adicionais entre 2015 e 2019), modernização da frota (aviões mais recentes e eficientes), potenciação e aproveitamento do hub de Lisboa, com uma articulação da rede de longo curto com o médio curso. Simultaneamente, a TAP tornou-se globalmente uma empresa mais eficiente, aumentando o número de passageiros e a receita (+61% de passageiros), a que não foi alheia a onda turística verificada no país (crescimento de 100% no número de turistas estrangeiros desde 2015), que em muito contribuiu para melhorar a sua produtividade e eficiência. Não obstante o contexto económico muito favorável, para não dizer único, a companhia esteve sempre afastada da robustez económica exigida por um setor de capital intensivo, muito vulnerável a eventos externos e com uma concorrência feroz e dinâmica de companhias com estratégias mais agressivas e eficazes. A TAP nunca conseguiu competir com a estratégia comercial e de pricing de companhias low cost como a Ryanair, nem oferecer a rede e cobertura espacial de companhias de maior dimensão, como são os grupos KLM, Lufthansa ou Iberia/Bristish Airways. Em 2018 e 2019, anos de um inigualável crescimento económico global e, em particular, do sector do turismo, a TAP registou resultados líquidos negativos de 118 e 106 milhões de euros, respetivamente. Note-se que se trataram de períodos únicos, onde sectores como o imobiliário, turismo e restauração, entre outros, registaram valores recorde de desempenho económico.
Enquanto procurava o seu lugar ao sol, a pandemia formou a tempestade perfeita. Reorganizou-se a estrutura acionista com o Estado Português a aumentar a sua posição (dificilmente existiria outro interessado em fazê-lo) e emergiu a necessidade de (muito) capital. Mais precisamente 1.200 milhões de euros este ano, a que podem acrescer mais 500 milhões de euros no próximo, justificados pelo “superior interesse público” e a “importância estratégica nacional”. ´É o primeiro empréstimo de outros que lhe seguirão. Quantos? Ninguém sabe. Depende da evolução da pandemia (como quase tudo atualmente), da recuperação económica e do plano de reestruturação. O plano de reestruturação surge como a tábua de salvação da TAP. Já houve outros. Em períodos incomparavelmente mais favoráveis. Todos falharam.
Chegados aqui, o que esperar deste plano de reestruturação em específico? O que difere do último (resultado da privatização em 2015)? Tudo.
É urgente corrigir uma estratégia passada incompatível com a realidade pós-covid, mas, sobretudo, é fundamental controlar os custos para evitar um resgate sem fundo. Não restem dúvidas, o plano de reestruturação é um eufemismo para cortes, sem os quais a empresa não sobrevive e os apoios públicos multiplicar-se-ão. Cortes no pessoal, nos salários, nas regalias, na frota, e acima de tudo no valor que o Estado continuará a ter de injetar na companhia para garantir a salvação de uma “empresa estratégica nacional”. Um paradoxo. A salvação da empresa nacional passa por reduzir substancialmente a sua operação, em número de aviões, rotas e frequências, de forma assimétrica nos vários aeroportos, e, com isso, reduzir a sua importância nacional, que é o argumento pelo qual se justifica a injeção de dinheiros públicos. O aeroporto de Lisboa será sempre o menos prejudicado comparativamente com os restantes aeroportos, porque é aí que está localizado o seu hub e a melhoria da eficiência operacional e económica depende da capacidade de otimizar as suas operações.
O autor deste artigo de opinião não duvida que TAP tem, de facto, uma importância nacional. Não por razões meramente históricas, mas como instrumento de dinamização turística e económica de um país geograficamente excêntrico dos centros de decisão e que, para afirmar o seu papel de eixo de aproximação Atlântico, precisa de uma rede de transporte aéreo eficaz para a América do Norte, Sul e África. A questão não é a sua importância, é o seu custo, em 2021, mas, sobretudo, nos próximos 5 anos. Aos comandos do avião TAP, a atravessar a tempestade dos 100 anos, está o Estado numa dupla condição: primeiro, a de acionista da empresa e credor e, segundo, com a função central de garante do interesse público, salvaguardando o direito e a importância do serviço de transporte aéreo ao país no seu conjunto e, em particular, às regiões cujo crescimento económico mais dele dependem. Resta saber para onde penderá este conflito de interesses. A resposta será dada pelo Plano Estratégico. Se este prometer uma trajetória de sustentabilidade económica, será um exercício inútil. Não o fizemos cavalgando a onda do crescimento económico, não o faremos perante um cenário de quase colapso do setor. Se, pelo contrário, identificar o real custo para o Estado, nos próximos 5 anos, proporcionando uma visão clara sobre a relação custo-benefício, isto é, o plano de rede e seu ajustamento, e, com isso, permitir uma decisão informada (e realista) sobre o custo do interesse estratégico proporcionado pela companhia, e o seu impacto nos vários aeroportos, não apenas Lisboa, então pode, de facto, constituir o ponto de viragem na companhia.
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.