Infiltrado nas praias portuguesas
«Não vale a pena. É sintomático. O português nunca está bem. Mais vale guiarmo-nos pela opinião dos outros. Dos que nos vêem de fora. Dos estrangeiros que ainda olham para o que por cá há de bom. Foi por isso que me decidi infiltrar.»
No meio das minhas viagens por Portugal continental, resolvi parar por uns dias na Ericeira. Perto de Lisboa, em cima do mar, rodeados de tias, os meus pais traziam-me aqui desde pequeno. Não é segredo para ninguém que sempre odiei. Mas os ódios de miúdo são coisa passageira. Também não gostava de marmelada, de peixe cozido e das educadoras. Hoje qualquer uma delas (com todo o respeito às educadoras) me deixa bastante satisfeito.
Numa óptica de explorar o país sob o olhar de um turista estrangeiro resolvi, por nostalgia ou por parvoíce, dar mais uma chance à Ericeira. Foi um desastre. Mas um desastre esclarecedor. Sintomático do estado da nação. Ou pelo menos da nação balnear.
A pacata vila do Oeste português já não é nem pacata nem do Oeste. Identifica-se como a capital do surf, taco-a-taco com Peniche. E vende-se como um resort turístico de gabarito internacional. Como por todo o país, abundam os alojamentos locais, os restaurantes, os bares e as lojas. Mas a que custo?
Volta a discussão que mais tem pontuado o sector: quando é que começa a ser de mais? As ruas estão cheias de gente. Ouve-se falar em português do Brasil, em inglês, em alemão e em francês. Vêem-se bifes (dos loiros), brasileiros tatuados, bandos de holandeses guturais e poucos portugueses. Os poucos que se vêem são velhos. Não em idade, mas em tradição. São daqueles que sempre vieram para cá. Que sempre virão (dizem eles). Já as mães vinham. Já os avós vinham. De vez em quando passam uns de cabelo comprido. Normalmente de manga cava, de prancha por baixo do braço e t-shirt da Billabong. Não são é novos. Têm quarentas. Presos à ideia de que se forem “fixes” continuam jovens.
Toda esta gente constitui aquilo que as velhas nos cafés apelidam de gentalha. “Turistas 'tá bem, mas agora já chega”. O restaurante em frente “tem um nome inglês, é o ‘grine’ ou lá o que é”. No do lado, “só servem sementes que parecem ração. E no Jogo da Bola agora há filas para comer pastéis de nata. Onde é que já se viu? Francamente! Já chega.”
E esta gente toda vem para quê? Não sei bem. O tempo é bom? Não sei. Dizem sempre que ontem é que se esteve bem. “Hoje está assim encoberto, mas na semana passada é que foi.” E o mar é simpático? Não sei. Tem estado bandeira encarnada. “Mas há dois verões estava sempre bandeira verde.” Então talvez sejam as praias? Também não sei bem. Entre os limos e os calhaus, que antes não havia, a praia já não é o que era. É, como digo, sintomático.
A densidade populacional da Praia do Sul é uma montra para aqueles que tentam desesperadamente agarrar-se à fábula dos anos 70 de uma Riviera da Ericeira. Na Praia dos Pescadores mostram-se bandeiras negras, de luto pelos barcos que não chegam ao mar, fruto dos empreendimentos da autarquia. Ribeira d’Ilhas perdeu o campeonato do surf. E na Calada não há nem rede, nem bar. Mas qual é a alternativa para os que querem fugir ao turismo? Não há. Estão em todo o lado. E as alternativas não são boas.
Na praia, graças ao vento, ouvem-se as conversas do lado. As almas mais iluminadas dizem que já chega: “Para o ano vou para o Algarve”. Chegam lá e dizem que não voltam. Que é muito caro. Ou que “está cheio de gente”. “Ah, eu cá vou para a costa alentejana”. “Mas é difícil é descobrir a praia”. “Então vai para o Norte, para Moledo”. “Não vou. Faz muito vento”. Na Caparica há muita gente. No Oeste não faz bom tempo. E em Trás-os-Montes não há praia.
Não vale a pena. É sintomático. O português nunca está bem. Mais vale guiarmo-nos pela opinião dos outros. Dos que nos vêem de fora. Dos estrangeiros que ainda olham para o que por cá há de bom. Foi por isso que me decidi infiltrar. Querem saber mais? Leiam o livro.
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.