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Igualdade/desigualdade em Portugal

Igualdade/desigualdade em Portugal

Artigo de opinião de Salvador Mendes de Almeida, fundador e presidente da Associação Salvador, que apoia pessoas com deficiência.
4 min
A propósito do Encontro da Fundação, onde no dia 30 de Setembro se vai debater a igualdade, pedimos opinião sobre o tema a Salvador Mendes de Almeida, fundador e presidente da Associação Salvador, que apoia pessoas com deficiência em Portugal. Publicamos o texto que Salvador amavelmente nos enviou.

 

Estima-se que cerca de 8% da população portuguesa vive com alguma deficiência, apesar de não existirem dados concretos sobre o tema. Este desconhecimento sobre a realidade actual permite-nos viver na cómoda ignorância de quais serão as verdadeiras necessidades da população com deficiência e do que podemos e devemos fazer para garantir que vivemos numa sociedade com igualdade de oportunidades. Este não é o ponto de partida ideal para a mudança.

Vejamos por exemplo a questão da empregabilidade ou das acessibilidades:

Em Portugal, a taxa de desemprego entre pessoas com deficiência é duas vezes e meia superior à média nacional. Os problemas começam precocemente, numa sociedade que não facilita a vida a um estudante com deficiência, ou muito menos o encoraja e estimula a seguir um percurso educativo e profissional ambicioso, valorizando todas as suas capacidades e talentos e ultrapassando as barreiras que cada deficiência impõe. Encontrar uma ocupação à altura das suas qualificações é outro grande desafio para a população com deficiência. Uma sociedade e um mundo empresarial carregados de preconceitos levam a grandes desigualdades de oportunidades de cada vez que surge uma vaga de emprego – na maioria das vezes uma pessoa com deficiência não é sequer considerada ou avaliada para o posto em questão.

No que toca às acessibilidades, uma vez mais não temos todos as mesmas oportunidades. Não podemos todos entrar nos mesmos restaurantes, usar os mesmos meios de transporte, ou até rezar nas mesmas Igrejas. Foram criadas leis para que todos os espaços e serviços sejam acessíveis a qualquer cidadão, mas o caminho é longo e tortuoso. Um simples passeio ou degrau com mais de 10 centímetros, para uma pessoa que se desloque em cadeira de rodas como eu, é o mesmo que um muro com mais de 10 metros; ou um carro estacionando em cima do passeio pode significar que a minha cadeira não passa e que terei de voltar para trás, faltando aos meus compromissos. Vivemos num tempo apressado e numa época egocêntrica, mas “são SÓ 5 minutos” ou “SÓ tem um degrau” podem condicionar totalmente a vida de um terceiro, que por acaso utiliza uma cadeira de rodas, mas devia ter o mesmo direito de atravessar qualquer estrada ou entrar em qualquer estabelecimento.

Um simples passeio ou degrau com mais de 10 centímetros, para uma pessoa que se desloque em cadeira de rodas como eu, é o mesmo que um muro com mais de 10 metros; ou um carro estacionando em cima do passeio pode significar que a minha cadeira não passa e que terei de voltar para trás.

Gosto de acreditar que grande parte deste problema da desigualdade surge apenas do desconhecimento e da ignorância, e que aos poucos a sociedade e as mentalidades têm vindo a evoluir e assim continuarão neste processo de mudança e crescimento.

Quando o meu acidente me deixou tetraplégico aos 16 anos, entrei num caminho de recuperação, re-adaptação e até de rompimento dos meus próprios preconceitos. Foi aí, quando eu me vi com o poder da informação e do conhecimento desta nova realidade nas mãos, que soube que não podia ficar parado e que tinha de contribuir para um mundo mais inclusivo.

Foi assim que nasceu a Associação Salvador, desta vontade de ajudar quem se encontrava em situações como a minha, e de ajudar uma sociedade “doente” - cheia de crenças, ideias pré-concebidas e barreiras (sociais, mentais e físicas), a tornar-se uma sociedade saudável, para todos, que valoriza a diferença e a individualidade, respeita e reconhece o potencial de cada um, e, acima de tudo – cria oportunidades iguais para todos, pois respeita igualmente o valor de cada vida.

Posso dizer com alegria que a Associação Salvador tem contribuído muito neste sentido, sensibilizando centenas de empresas para uma contratação inclusiva, tendo já efectivado dezenas de colocações em postos de trabalho; desenvolvendo várias campanhas de sensibilização da sociedade em geral para temas como a falta de acessibilidades ou o estacionamento abusivo; dirigindo-se à população jovem e sensibilizando desde cedo para uma atitude inclusiva; entre tantas outras acções.

É com este espírito positivo de quem acredita na mudança e no poder da informação que continuarei o meu trabalho na Associação Salvador.

«Em que pé está a igualdade?» é a pergunta a que o Encontro da Fundação 2017 procurará dar resposta. Com Ruby Bridges, Pierre Rosanvallon, Richard Baldwin, Gregory Clark, Philippe van Parijs, Branko Milanovic e outros convidados.

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

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