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Cientistas GPS #62: «É muito gratificante» ajudar os agricultores em África

Entrevista GPS #62: «É muito gratificante» ajudar os agricultores em África

Entrevista a Paulo Cortes Salgado, doutorado em nutrição animal e investigador do CIRAD, de França, actualmente a viver no Senegal.
6 min
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Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?

Sou licenciado em Engenharia Zootécnica pela Universidade de Évora (1990-1995) e realizei um doutoramento na área da nutrição animal em França (1998-2001). Em 2002, iniciei a minha atividade profissional como investigador num centro francês de cooperação internacional em investigação agronómica para o desenvolvimento (CIRAD). Trabalhei no Vietname (2002-2008), na ilha da Reunião (2009-2013), em Madagáscar (2014-2019) e estou, desde Setembro, a trabalhar no Senegal.

O meu trabalho consiste em desenvolver atividades de investigação (ensaios de campo, modelagem, etc.) com plantas e com animais, com o objetivo de melhorar a sinergia entre estes dois sistemas. Estas atividades decorrem em países em desenvolvimento, países do Sul, sobretudo em explorações agrícolas familiares. As explorações agrícolas mistas, isto é, que praticam atividades de agricultura (plantas) e pecuárias (animais), produzem mais de 50% dos alimentos que consumimos. A interação entre estas duas atividades de produção é essencial e pode ser melhorada, para garantirmos uma maior e mais sustentável produção de alimentos, face à diminuição da fertilidade dos solos, da produtividade das culturas e dos rebanhos, e dada a escassez de terras e o aumento do preço dos fatores de produção. A intensificação ecológica das explorações agrícolas, ou seja, o aumento da produtividade apoiado nas funções do ecossistema, e mantendo-as, é um ideal que ajudo a alcançar. À medida que os anos passam, dedico-me cada vez mais a atividades de coordenação de projetos de investigação regionais, à coordenação e animação de equipas de investigadores e ao ensino e supervisão de estudantes em pós-graduação (mestrado e doutoramento).

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

Tudo… Não tenho dois dias iguais. A palavra rotina desapareceu do meu dicionário. Em primeiro lugar, de um ponto de vista científico, trabalhar com ecossistemas multifuncionais (complexos) é muito interessante. Embora possamos “prever” alguns efeitos dos tratamentos (fertilização, alimentação, etc.) que utilizamos nos ensaios, há sempre espaço para “surpresas”, nem sempre benéficas, que nos obrigam a prosseguir o trabalho para tentar compreender – e por vezes descobrir – os processos-chaves relacionados com os efeitos inesperados observados. O trabalho de investigação nunca tem fim … é necessário um pouco de imaginação (e alguma perseverança) pois quando uma determinada problemática termina graças ao fato de encontrarmos uma ou mais soluções, essas mesmas soluções geram novas problemáticas e questões científicas, e assim sucessivamente...

De um ponto de vista “social”, humano, considero também muitíssimo entusiasmante o facto de ter a oportunidade de participar na melhoria das condições de vida dos agricultores/produtores nos países em desenvolvimento. Na maioria dos países onde trabalho o contexto socioeconómico é muito desfavorável e as atividades agrícolas são realizadas com pouco (ou nenhum) recurso tecnológico. Os agricultores praticam uma agricultura de subsistência que tem como principal objetivo a produção de alimentos para garantir a sobrevivência da sua família. Trabalhar com estas famílias e encontrar, conjuntamente, soluções para as inúmeras dificuldades que surgem nas explorações agrícolas dá um grande sentido ao trabalho de investigação aplicada que realizo. É muito gratificante constatar os benefícios socioeconómicos que os agricultores e as suas famílias obtêm quando selecionamos as espécies forrageiras ideais para alimentar os animais, ou as boas técnicas para conservar a matéria orgânica animal, etc. Isto permite que as famílias continuem a viver e a trabalhar de acordo com os seus hábitos, produzindo produtos e serviços (ambientais) e com a capacidade de se adaptarem e de participarem à atenuação dos efeitos das mudanças climáticas cada vez mais percetíveis. Por último, participar na formação de jovens investigadores e desenvolver parcerias científicas com instituições de investigação e de ensino em vários países são atividades que me dão muito entusiasmo.

É muito gratificante constatar os benefícios socioeconómicos que os agricultores e as suas famílias obtêm quando selecionamos as espécies forrageiras ideais para alimentar os animais, ou as boas técnicas para conservar a matéria orgânica animal, etc.

Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?

A primeira oportunidade que tive para realizar um trabalho de investigação no estrangeiro foi um pouco por acaso, quando um colega de universidade me falou do programa de intercâmbio de estudantes, o programa Erasmus. Decidi aproveitar a oportunidade e realizei o estágio de fim de curso no Instituto Nacional de Investigação Agronómica (INRA), em França. Tive a sorte de trabalhar com uma equipa de investigação extraordinária, com excelentes condições de trabalho, que me “contagiou” a seguir uma carreira científica. Depois de uma breve, mas muito enriquecedora, experiência numa empresa que produz e comercializa sementes de pastagens e forragens em Portugal (Fertiprado, Lda.) decidi voltar à investigação e realizar uma tese de doutoramento no INRA de Rennes (França) associado à Universidade de Évora e ao Instituto Superior de Agronomia de Lisboa. Após o doutoramento, a minha determinação em seguir uma carreira de investigação e cooperação internacional orientada para países em desenvolvimento levou-me a procurar uma instituição de investigação que trabalhava “mais ao Sul”. Foi deste modo que concorri e entrei para o centro de investigação CIRAD.

Como já tive a oportunidade de detalhar, o trabalho entusiasmante e enriquecedor que tenho realizado nos países onde tenho vivido, assim como as excelentes condições de trabalho (e de vida) que o CIRAD me proporciona, fazem com que a vida no estrangeiro, nomeadamente em países em desenvolvimento, preencha completamente as minhas ambições profissionais e pessoais. O facto de viver com a família em vários países é bastante enriquecedor em termos culturais e humanos.

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

Desde que saí de Portugal para trabalhar no estrangeiro, há cerca de 20 anos, tenho a impressão de que houve investimentos importantes na área da investigação científica (e do ensino superior), o que permitiu uma melhoria considerável na capacidade dos laboratórios e dos centros dedicados à ciência. Porém, estes investimentos, fundamentais para a atividade de investigação, têm de ser acompanhados permanentemente por políticas de apoio à investigação, por parcerias com o sector industrial (privado) e por projetos de investigação e de colaboração cientifica entre países, ao nível europeu e internacional. Na última década, Portugal, assim como a maioria dos países europeus, atravessou problemas financeiros que tiveram como consequência direta a diminuição da dinâmica científica iniciada há mais anos e obrigaram alguns investigadores a reorientar a sua carreira profissional noutras áreas complementares ou a continuarem a atividade de investigação noutros países.

As soluções para “reativar” a dinâmica científica em Portugal existem, são conhecidas e debatidas com alguma regularidade, o que é necessário agora é reunir todos os “ingredientes” para tornar esta determinação numa realidade e não alterar os objetivos quando a primeira dificuldade surgir.

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

Participo nesta comunidade de cientistas portugueses há pouco tempo. Porém, aprecio o objetivo principal do GPS por contactarem cientistas portugueses que trabalham no estrangeiro e interessarem-se pela experiência e pelas motivações de cada um destes cientistas. Considero este trabalho importante para conhecermos o nosso potencial em termos de investigação e para compreendermos (melhor) as razões que levaram os cientistas portugueses a trabalhar fora de Portugal. O conhecimento e a análise destes testemunhos, poderão ser valorizados para melhorar as condições e as oportunidades do trabalho de investigação no nosso país.

Consulte o perfil de Paulo Cortes Salgado no GPS-Global Portuguese Scientists.
GPS é um projecto da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a agência Ciência Viva e a Universidade de Aveiro.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

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Portuguese, Portugal