A educação é a chave para subir na vida. Mas será suficiente?
A duas semanas do início das aulas, Pedro está contente por voltar à escola. Vai para o 6º ano, e receberá apoio do Estado nos livros e refeições. Quer ter boas notas e prometeu aos pais que vai estudar mais. Mas aos 11 anos, Pedro, já tem duas vezes mais probabilidade de chumbar do que os colegas de turma com melhores condições económicas.
Em Portugal, as notas dos alunos são um espelho das desigualdades sociais no país, revelam vários estudos. A mais recente investigação do Ministério da Educação, sobre os resultados por disciplina dos estudantes no segundo ciclo, não deixa margens para dúvidas: quanto mais pobres são os alunos, mais reprovam.
Uma criança do 6º ano, que receba o apoio máximo de Acção Social Escolar (ASE), tem mais do dobro da probabilidade de chumbar a Matemática, Inglês ou a Português, do que outro que não receba ajuda económica do Estado, mostram os dados publicados em Maio.
Os piores resultados dos mais pobres mantêm-se independentemente das disciplinas. A disparidade é tão visível a História e Geografia ou a Ciências, como a Educação Física ou a Educação Musical. É “bastante impressionante a forma transversal como o contexto económico influencia as classificações em todas as disciplinas”, sublinham os especialistas da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, que analisaram os resultados.
Nas pautas, a enorme diferença de resultados no final do ensino básico já tinha ficado clara, num outro estudo oficial .
Os dados mostram que só 27% dos alunos com o maior apoio de Acção Social Escolar (ASE) têm “um percurso de sucesso” no 6º ano, obtendo positiva nos exames nacionais de Português e Matemática. Já entre os alunos com mais condições económicas, e sem necessidade de receberem apoio do Estado, a taxa de sucesso mais do que duplica: é de 63%.
Cor e estudos da família
A escolaridade da família também continua a ser sinónimo de êxito nos estudos. Os filhos de mães licenciadas e doutoradas têm uma taxa “de sucesso” no final do 6º ano que ultrapassa os 80%, um resultado que cai para 26% quando as crianças têm uma mãe com o 4º ano completo, revela a mesma análise (“Desigualdades Socioeconómicas e Resultados Escolares”).
Se aos rendimentos e escolaridade dos pais juntarmos a cor da pele, o cenário agrava-se ainda mais, ilustram dois outros trabalhos publicados no ano passado. As crianças afro-descendentes reprovam três vezes mais, no primeiro ciclo, do que os colegas, alertam os investigadores Cristina Roldão e Pedro Abrantes do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE, que avaliaram o percurso escolar das crianças naturais dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) a estudar no ensino público nacional. Uma disparidade que é visível mesmo quando as crianças e jovens afro-descendentes crescem em famílias escolarizadas e com mais rendimentos.
A esmagadora maioria destes alunos nem sequer consegue ter notas para poder acreditar num futuro no ensino superior. Logo no início do secundário, 80% dos estudantes com nacionalidade dos PALOP são encaminhados para cursos profissionais, bem mais do dobro dos estudantes nascidos em Portugal, revela uma outra investigação publicada no ano passado pelo Observatório das Migrações.
Se a educação é consensualmente apontada como a grande chave para a mobilidade, na prática, os dados mostram que a escola não está a conseguir esbater as desigualdades sociais. Ou seja, está a falhar no seu objectivo de garantir a todas as crianças e jovens as mesmas bases para poderem subir na vida.
Respostas públicas com programas específicos
O que está a faltar nas escolas? Novos métodos de ensino? Maior autonomia e flexibilidade para responderem às diferentes realidades? Mais professores e com melhor formação? Um corpo docente fixo? Mais apoios aos estudantes após as aulas? Mais investimento em actividades extracurriculares?
As respostas não são consensuais e dividem os especialistas. Projectos como os TEIP (territórios educativos de intervenção prioritária) foram criados há uma década para reduzir o insucesso dos alunos mais desfavorecidos, dando aos estabelecimentos de ensino aderentes maiores autonomia e recursos para “atacar” as desigualdades. Abrangem já 177 mil estudantes de 137 agrupamentos no país e têm conseguido progressos.
Em média, 40% dos alunos em agrupamentos TEIP já têm hoje taxas de retenção e desistência inferiores às da média do país, de acordo com os dados do Ministério da Educação, divulgados em Fevereiro pelo Diário de Notícias.
Mas vários especialistas apontam efeitos perversos neste sistema de apoios, porque ao diferenciar e categorizar os estabelecimentos públicos, poderá criar escolas de primeira e de segunda.
Entre eles o ex-ministro da Educação David Justino. O presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) defendeu ao Diário de Notícias, que nem todas as escolas TEIP estão a conseguir melhorar os resultados dos estudantes, correndo-se o risco de “confinar” os casos de insucesso. Outro alerta preocupante é deixado pelo professor universitário Joaquim Azevedo, que também integra o Conselho Nacional de Educação: as escolas públicas estão a “rejeitar alunos” com piores resultados. “Muitos adolescentes arrastam nas costas rejeições sistemáticas de matrículas em escolas públicas” devido aos maus resultados ou indisciplina, denunciou num artigo de opinião publicado no jornal Público em Setembro passado. Muitos deles acabam por só ter resposta nas escolas TEIP, que estão a concentrar um número crescente de alunos com mais dificuldades, alerta.
Depois de no ano passado, o Ministério da Educação ter lançado o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, incentivando as escolas a apresentar projectos específicos para o problema, começará testar dentro de dias um novo modelo para reduzir os maus resultados. O programa Escolas Inovadoras arranca de forma piloto em seis estabelecimentos do país, que terão liberdade de aplicar novas formas de ensino e de organização. O objectivo é reduzir a percentagem de chumbos e abandonos precoces, dando maior autonomia às escolas para decidir como querem organizar turmas, calendários ou introduzir inovações pedagógicas.
Começar mais cedo e apoiar as famílias
O fenómeno está longe de ser exclusivo de Portugal. Nos EUA, Canadá, Austrália ou Reino Unido, os estudantes mais pobres ou de famílias com fracas habilitações também têm maior probabilidade de ficar pelo caminho.
E não é por falta de aspirações ou de ambição, garante a professora da Faculdade de Educação da Universidade de Cambridge (Reino Unido), Anna Vignoles. “Os estudos mostram que não conseguem atingir os níveis de sucesso escolar que lhes permitirão chegar ao ensino superior”, defendeu a especialista durante a conferência “Is Education the Answer to Social Mobility?”.
Para a investigadora é fundamental começar “mais cedo” a “aumentar os níveis de aprendizagem e competências” das crianças de meios desfavorecidos, que também estão muito ligadas à família e ao ambiente onde estes alunos crescem.
A OCDE faz o mesmo diagnóstico: aos quatro, cinco anos de idade já são “evidentes” as diferenças de conhecimentos entre as crianças ricas e pobres. “As desigualdades na aprendizagem começam logo no nascimento e aprofundam-se à medida que a pessoa cresce”, lê-se num relatório sobre mobilidade social publicado pela organização em Maio passado.
Segundo este organismo, as investigações têm demonstrado que a aposta em programas pré-escolares é fundamental para o desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças, ajudando ao desenvolvimento de competências essenciais para o seu futuro: da afectividade, ao autocontrolo ou à capacidade de realizar múltiplas tarefas.
Em Portugal, a educação pré-escolar é universal a partir dos 5 anos. Ou seja, desde 2009, que por lei o Estado tem de “garantir a existência de uma rede de educação pré-escolar que permita a inscrição de todas as crianças” com esta idade.
Mas pelo menos desde 2011, que o CNE defende ser preciso ir mais longe: quer que a educação dos zero até aos três anos seja concebida “como um direito e não apenas como uma necessidade social”.
O organismo considera que uma creche de qualidade é “ factor de igualdade de oportunidades, de inclusão e coesão social” e recomenda a sua generalização. Para os membros do CNE, o 1.º ciclo de escolaridade “será tão mais bem-sucedido por todos quanto mais todos tiverem tido acesso a uma educação pré-escolar de qualidade”.
Em paralelo, outros investigadores consideram que para aumentar a mobilidade social é preciso não só mais investimento no pré-escolar e na escola, mas também alargar o foco de intervenção.
“Temos de intervir não só na escola, mas também nas famílias”, diz Anna Vignoles. “E agir nos primeiros meses de vida”. Investimentos que devem começar mais cedo e continuar ao longo do tempo.
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor