A
A
5 Leituras #45: A legalização da canábis no pós-verdade

5 Leituras #45: A legalização da canábis no pós-verdade

Sugestões de Henrique Raposo, autor do livro «Alentejo Prometido», publicado pela FFMS.
3 min
Novo artigo da rubrica «5 Leituras», em que autores da Fundação sugerem a leitura de cinco artigos ou a visualização de vídeos publicados na internet, em língua portuguesa, espanhola ou inglesa.

 

The Health Effects of Cannabis and Cannabinoids, The National Academy of Medicine
Relatório da NAP

O debate apressado sobre a legalização da canábis é uma das muitas manifestações do pós-verdade. A narrativa da legalização recreativa tomou a dianteira devido à sua aparência alegadamente progressista e inofensiva; de repente, uma garrafa de cerveja passou a ser mais ameaçadora do que um charro. Curiosamente, este narrativa esbarra de frente com o crescente consenso médico. Este relatório – o documento mais importante sobre a matéria – é claro sobre um ponto fundamental: existem provas substanciais que permitem estabelecer uma forte correlação estatística entre o uso de canábis e o desenvolvimento de esquizofrenia e outras psicoses, um risco obviamente agravado em consumidores frequentes.

Is Marijuana as safe as we think?
Malcolm Gladwell para a New Yorker

Este ensaio de um dos maiores pensadores americanos vivos revela um dado fundamental: a sociedade americana começa a repensar a legalização da canábis já existente em muitos estados da União. Como diz Gladwell, permitir e/ou não criminalizar o uso de canábis é uma coisa; promover a canábis é outra coisa completamente diferente. E, tendo em conta os factos agora conhecidos, essa legalização devia enfrentar pelo menos um enorme cepticismo.

America’s Invisible Pot Addicts
Annie Lowrey na Atlantic

Um texto interessante que aponta ao dedo ao ethos pós-moderno e libertário que está a montante desta legalização contra factos e ciência – um ethos que tem tanto de esquerda como de direita. À esquerda, temos o grito “é proibido proibir” de uma certa esquerda que não admite a existência de valores ou causas acima do “eu”, acima da liberdade total do “eu”. Neste caso, não admite a existência de uma sociedade e de uma moral colectiva que não pode validar drogas; de igual modo, nem sequer admite a existência do conceito de saúde pública. À direita, encontramos aqui os libertários ou anarco-capitalistas que pensam da seguinte forma: se há mercado para este produto (canábis), então que se produza e que se venda, pois vai gerar riqueza e emprego! Sucede que a existência de um mercado de consumidores para um determinado produto não legitima por si só a moralidade desse mesmo produto. A heroína e a pederastia, só para dar dois exemplos, têm muitos consumidores potenciais. É por isso que passam a ser legítimos? 

Colorado’s Legalization of Marijuana and the Impact onthe Public Safety
Police Foundation

O Colorado é um dos estados que legalizou o “uso recreativo” (fantástico eufemismo). Este relatório mostra, entre outras coisas, que a legalização aumentou o número de hospitalizações relacionadas com o uso perigoso dos canabinóides. Bastava um caso de hospitalização para termos cautela. São milhares por ano.

What Advocates of Legalization Pot don’t want you to now
Alex Berenson no New York Times

Berenson é o autor que está mais atento ao grande absurdo deste debate: a narrativa mediática corre no sentido exactamente oposto ao conhecimento científico. Em 1999, o consenso médico dizia que a relação entre canábis e esquizofrenia não é clara; em 2019, o consenso médico é diferente e não tem dúvidas em reportar uma relação altíssima entre consumir canábis e psicoses, a começar na esquizofrenia. A sociedade que combate o álcool e o tabaco é a mesma sociedade que transformou uma droga num mero divertimento “orgânico”. Há poucos debates tão marcados pelo pós-verdade como este.

Henrique Raposo é autor do retrato Alentejo Prometido, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

Portuguese, Portugal