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5 Leituras #1: «Pensar para lá do imediatismo», por Desidério Murcho

5 Leituras #1: «Pensar para lá do imediatismo», por Desidério Murcho

O autor de «Filosofia em Directo» sugere a leitura de cinco artigos na internet. Primeiro artigo da nova rubrica «5 Leituras» da FFMS.
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Primeiro artigo da rubrica «5 Leituras», em que um autor da Fundação sugere a leitura de cinco artigos publicados na internet, em língua portuguesa ou inglesa. Começamos com sugestões de Desidério Murcho, o autor do ensaio 'Filosofia em Directo'. Que nos propõe que pensemos «para lá do imediatismo».

 

Were we happier in the stone age?
Artigo de Yuval Noah Harari para o Guardian 
(Em língua inglesa)

Só nas últimas décadas se começou a estudar seriamente a felicidade humana, recorrendo a vários dados científicos e à reflexão filosófica. Até há pouco tempo (e esta é uma tendência que infelizmente ainda persiste nos lugares mais desinformados da cultura pública), o tema da felicidade era como a política e o futebol: cada qual dava os seus palpites de bancada, sem qualquer estudo adequado das coisas e muitas vezes sem sequer conhecer as publicações populares relevantes na área. Uma das surpresas que encontramos no historiador Yuval Noah Harari, cujo sucesso de vendas internacional, Sapiens, foi publicado entre nós pela Vogais, é precisamente uma atenção aos estudos científicos sobre a felicidade. No artigo que a seguir indico, Harari apresenta algumas ideias que põem em questão muitos lugares-comuns sobre a felicidade humana. Poderá ser um ponto de partida para outras leituras interessantes sobre o tema.

Sobre o problema da sociologia normativa
Artigo de Joseph Heath traduzido para o Crítica na Rede 
(Em língua portuguesa)

O discurso público acerca de temas políticos é muitas vezes muitíssimo tendencioso e insensível aos melhores estudos científicos relevantes. E não faz muita diferença se emana de uma pessoa com formação académica avançada ou não; as emoções políticas irracionais parecem exercer demasiadas vezes uma influência a todos os títulos indesejável. Há hoje em dia vários estudos sobre a irracionalidade das pessoas no que respeita a temas políticos, mas um dos artigos pequenos mais iluminantes é o que indico de seguida do filósofo canadiano Joseph Heath, cujo livro Enlightenment 2.0 deveria estar traduzido entre nós e ser de leitura obrigatória para qualquer pessoa que queira manifestar-se publicamente sobre política. Neste artigo encontramos alguns temas que ele desenvolve no livro, nomeadamente a tendência para ignorar os factos relevantes só porque não se adequam à nossa mundivisão política. Mencionando a célebre piada de Nozick, Heath chama «sociologia normativa» a esta tendência porque, em vez de se tratar de compreender os fenómenos sociais tal como são, trata-se de dizer o que pensamos que eles deveriam ser, distorcendo tudo para bater certo com a nossa ideologia política de eleição.

Recensão do livro 'On Inequality' de Harry Frankfurt
Artigo de Paul Weithman
(Em língua inglesa)

Recentemente, a Oxfam prestou um mau serviço à discussão pública informada divulgando dados que mostram que as oito pessoas mais ricas do mundo detêm a riqueza equivalente a metade da população mais pobre do mundo. No Facebook e nos jornais não se fizeram esperar as manifestações de repúdio por tanta injustiça. E contudo está longe de ser óbvio que o simples facto de haver umas pessoas muito mais ricas do que outras seja só por si uma injustiça. Um livro publicado em Portugal que precisamente discute este tema é o de Harry Frankfurt, Sobre a Desigualdade (Gradiva). Infelizmente, não há entre nós o hábito saudável de escrever recensões de livros interessantes e que possam ao mesmo tempo esclarecer o público e estimular a leitura de livros fundamentais. A recensão de Paul Weithman, bastante crítica das ideias de Frankfurt, é um exemplo do que infelizmente não se faz entre nós. 

A Clear Case for Golden Rice
Artigo de Peter Singer para o Project Syndicate
(Em língua inglesa)

Uma das desgraças da vida contemporânea é a histeria anticientífica, tema onde encontramos uma curiosa confluência entre a esquerda e a direita políticas mais radicais. Claro que a confluência está apenas na ideia de que se um resultado científico é desagradável politicamente, é razoável desacreditar a ciência e insistir nas nossas posições. Onde a direita política norte-americana mais retrógrada rejeita a existência de aquecimento global antropogénico, a esquerda mais radical rejeita os alimentos transgénicos por mais que isso prejudique muito gravemente algumas das pessoas mais pobres do mundo — e ao mesmo tempo que torna mais difícil resolver os problemas ecológicos do planeta. Um filósofo de esquerda que sempre admirei e continuo a admirar, mesmo que discorde dele em muitos aspectos, é Peter Singer. E, claro, como qualquer pessoa intelectualmente honesta, apesar de ser de esquerda vê que a posição da esquerda perante os transgénicos é cientificamente indefensável. O artigo que aqui indico surge também na sua última colectânea de ensaios que será em breve publicada entre nós nas Edições 70.

The female mathematician who changed the course of physics—but couldn’t get a job
Artigo de Lee Phillips para o Ars Technica
(Em língua inglesa)

Emmy Noether (1882-1935) foi uma das mais brilhantes matemáticas do século passado, e sem ela dificilmente o próprio trabalho de Einstein teria dado os frutos que deu. Contudo, nunca conseguiu ser admitida como Privatdozent na Universidade de Göttingen, apesar dos esforços de Hilbert, que nunca conseguiu convencer os colegas dos departamentos de humanidades a aceitá-la. O que esta história muito bem contada por Lee Phillips revela, ainda que com a brevidade normal de um artigo de internet, é a persistência dos piores preconceitos nas zonas mais anémicas da cultura académica. Apesar dos preconceitos culturais contra a presença das mulheres nas universidades, a superlativa qualidade do trabalho de Noether foi reconhecido por todos os matemáticos e cientistas da universidade — mas os professores de humanidades rejeitaram sempre a sua admissão. Esta história é interessante porque nos faz parar para pensar se os discursos mais histéricos e politizados dos professores de humanidades de hoje não serão apenas a continuação dos mesmos preconceitos irracionais, mas agora de sinal contrário. Afinal, quem não está habituado a estudar honestamente coisa alguma, limitando-se em grande parte a repetir com palavreado académico os clássicos intocáveis da sua área, é incapaz de pensar por si e por isso incapaz de sair dos preconceitos do seu tempo.

Desidério Murcho é o autor de «Filosofia em Directo», um ensaio publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

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