Um sistema de saúde mais digital beneficiaria a saúde de todos
Uma pequena curiosidade. Lancei o meu livro “Saúde – a Liberdade de escolher” há exatamente 10 anos, em setembro de 2009. O tema da liberdade de escolha pareceu-me fulcral para recentrar o sistema no cidadão e nas suas escolhas.
Em setembro de 2019, o mundo está muito diferente. Em apenas 10 anos, o número de agregados familiares em Portugal com ligação à internet e à banda larga praticamente duplicou, passando de 39% para 77 %. O número de pessoas com escolaridade secundária completa e ensino superior passou de 25% para 41% da população. A esperança média de vida aumentou cerca de 1 ano e meio.
Hoje, a conectividade está a mudar o mundo e o comportamento das pessoas.
Os avanços da tecnologia digital, e cidadãos mais esclarecidos e mais ligados, inspiram e impõem um debate sobre a construção de uma nova visão da saúde que incorpore a tecnologia como um recurso fundamental.
O envelhecimento da população e o aumento da prevalência de doenças crónicas serão dois dos maiores desafios dos sistemas de saúde do nosso tempo.
Um pouco por todo o mundo vão-se ensaiando soluções que tiram partido da conectividade e da partilha de informação, acreditando-se que virão a permitir uma prestação de cuidados mais eficiente e, como resultado, uma vida saudável e autónoma durante muitos mais anos.
O Big Data, a Internet das coisas, a inteligência artificial e tantas outras ferramentas que impulsionam o desenvolvimento da sociedade digital terão um peso crescente na organização e na gestão dos sistemas de saúde.
Este pequeno livro pretende antever a trajetória destas tendências e mostrar como poderemos evoluir de uma cultura “analógica” para uma cultura “digital”, beneficiando a saúde individual e coletiva.
Portugal pode capturar este momento único para pôr em marcha uma iniciativa arrojada de Saúde Digital, com o propósito de promover a saúde e assegurar uma vida longa e mais saudável a todos os portugueses, ao mesmo tempo que pode acrescentar valor e um contributo valioso aos sistemas de saúde em geral:
- Disponibilizando um registo eletrónico de saúde para cada cidadão, permitindo a partilha de informação entre todos os níveis de cuidados;
- Aumentando o acesso aos cuidados através da massificação da telemedicina;
- Implementando um novo conceito de hospital digital, espaço de teste permanente para todas as tecnologias inovadoras e incentivo à criação portuguesa;
- Monitorizando os doentes e as doenças crónicas, em qualquer lugar e a qualquer hora, garantindo uma resposta pronta a qualquer alerta;
- Partilhando os exames de diagnóstico entre todos os operadores, públicos e privados, combatendo assim o enorme desperdício de duplicação de milhões de exames por ano;
- Promovendo e expandindo a investigação médica através do acesso a plataformas de dados anonimizados;
- Garantindo que a informação sobre as transações ocorridas no sistema de saúde, em especial no SNS, trate-se de indicadores de produção ou financeiros, fique acessível, pública e transparente.
A criação de um “ecossistema digital” no setor da saúde pode mobilizar a energia das universidades, dos operadores de cuidados, dos financiadores, das autoridades de saúde e de todos os profissionais e cidadãos neste enorme desafio de ampliar o conhecimento e a inovação.
Portugal tem uma dimensão adequada para pilotar experiências de inovação e para atrair investimento e capital intelectual para enfrentar uma das maiores inovações do século XXI.
Escolhi uma citação para o início deste livro, da autoria de Ludwig Wittgenstein, filósofo austríaco, que exprime uma boa síntese do sentimento que experimentei ao longo da investigação que levei a cabo para a sua produção. Passo a citar:
“O que eu queria demonstrar eram os contornos de uma ilha. O que descobri, no final, foram as fronteiras do oceano.”
A conectividade não nos confina ao território limitado e incluso nos contornos de uma ilha, mas é efetivamente a fronteira de um oceano sem fim, pleno de recursos e de meios, que poderemos explorar.
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.