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Transição Energética em Portugal: Caminhos para o Futuro

«A aposta nas energias renováveis para a produção de eletricidade não pode colocar em causa a continuidade da satisfação da procura, exigindo a disponibilidade de potência firme e despachável.»
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As alterações climáticas de que temos ouvido falar deixaram de ser apenas ameaças, para se tornarem em realidades com fortes impactos negativos, económicos, sociais e na qualidade de vida de algumas populações. Estes impactos poderão alargar-se de forma dramática se a temperatura do planeta Terra continuar a subir, conduzindo ao degelo total das calotes polares e ao consequente aumento do nível dos oceanos com consequências devastadoras na vida humana. Importa, pois, agir rapidamente no sentido de descarbonizar a economia e a sociedade. Tal implica uma transição energética onde os combustíveis fósseis sejam progressivamente substituídos pela eletricidade, desde que a sua produção seja suportada por fontes de energia primária de origem renovável (energias hídrica, eólica, solar, geotermia, energias marinhas e biomassa). Complementarmente pode pensar-se no recurso a outros vetores energéticos como é o caso do hidrogénio, mais uma vez suportado por uma produção obtida a partir de fontes renováveis, sobretudo para utilização em alguns setores industriais e parte da mobilidade.

Portugal cedo apostou na energia hídrica para produzir eletricidade, tendo construído grande número de barragens e centrais hidroelétricas nas décadas de 50 a 80 do século XX, apresentando atualmente uma potência instala já superior 7 GW, a que se irá somar muito brevemente a potência das centrais do Alto Tâmega – 1,158 GW. A partir do início do século XXI iniciou-se a exploração industrial da energia eólica, tendo o país desenvolvido uma política que permitiu construir grande número de parques eólicos, em particular entre 2005 e 2015, conduzindo a uma potência instalada superior a 5 GW, valor que é hoje já superior a 5.5 GW. O investimento na produção solar fotovoltaica deu-se mais tarde, mas atualmente já dispomos de cerca de 1,7 GW de potência instalada nesta tecnologia de conversão. Acresce a produção de eletricidade a partir de biomassa e biogás totalizando mais quase 0,9 GW de potência instalada. A geotermia para a produção de eletricidade apenas tem expressão nos Açores. Este portfolio de geração permite já garantir que cerca de 60% da energia elétrica consumida em Portugal tenha origem renovável.

Em termos de políticas públicas neste domínio, o país tem um Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC2050) e um Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC2030). O RNC2050 estabelece, de forma sustentada, a trajetória a seguir para atingir a neutralidade carbónica em 2050, identificando as opções custo eficazes para atingir aquele fim em diferentes cenários de desenvolvimento socioeconómico. O PNEC apresenta uma visão de curto-médio prazo, onde se define nomeadamente como meta para 2030 que 80 % da eletricidade consumida seja de origem renovável.

Atingir a neutralidade carbónica em Portugal implica a redução de emissões de gases com efeito de estufa entre 85% e 90% até 2050 e a compensação das restantes emissões através do uso do solo e florestas, a alcançar através de uma trajetória de redução de emissões entre 45% e 55% até 2030, e entre 65% e 75% até 2040, em relação a 2005.

Atingir a neutralidade carbónica em 2050 implica, a par do reforço da capacidade de sequestro de carbono pelas florestas e por outros usos do solo, a total descarbonização do sistema eletroprodutor e da mobilidade urbana, bem como alterações profundas na forma como utilizamos a energia e os recursos, apostando numa economia que se sustenta em recursos renováveis, utiliza os recursos de forma eficiente e assentando em modelos de economia circular, valorizando o território e promovendo a coesão territorial.

A utilização crescente da produção de eletricidade a partir de fontes renováveis, que apresentam caraterísticas de variabilidade temporal, exige a adoção e duas estratégias: 1) o recurso à gestão ativa da procura, por forma a promover a deslocação de consumos para os períodos de maior abundância dos recursos renováveis e; 2) o recurso a sistemas de armazenamento de energia para apoiar a necessidade de equilíbrio entre oferta e procura e para transferir energia elétrica de uns períodos para outros, com diferentes escalas temporais (dentro do dia, dentro de uma semana ou até mesmo de umas estações para outras). Tal implica o recurso a baterias, a centrais hídricas reversíveis e inclusivamente o recurso ao hidrogénio de origem renovável, produzido através de eletrólise da água com a energia elétrica de origem renovável que não encontra colocação na procura e que pode vir a ser armazenado em cavernas, capacidade de que Portugal dispõe, para ser depois entregue ao sistema elétrico como um recurso despachável. Teremos, pois, que a curto/médio prazo investir em baterias a associar aos parques eólicos e solares fotovoltaicos e investir na remodelação de algumas centrais hídricas dotando-as de reversibilidade.

A eletrificação da quase totalidade do consumo irá assim exigir a construção de novos parques solares fotovoltaicos, e centrais de produção solar térmica concentrada, a hibridização dos parques eólicos existentes com produção solar PV, e a instalação de parques eólicos off-shore na costa portuguesa, para o conjunto dos quais já existe regulamentação recentemente publicada em Portugal. Conforme já se referiu, estes recursos apresentam uma caraterística de variabilidade temporal que exige ponderação na definição da estratégia de renovação e expansão do sistema electroprodutor, uma vez que a segurança de abastecimento deverá sempre ser garantida e deve ser uma preocupação das autoridades Governamentais e de Regulação do setor energético. Em Portugal a DGEG, em conjunto com a REN, efetua anualmente uma avaliação da evolução da segurança de abastecimento para os anos seguintes – o Relatório de Monitorização da Segurança de Abastecimento – onde avalia a probabilidade de satisfação da procura para os anos seguintes.

O efeito das alterações climáticas, que este ano se fazem sentir na ocorrência de um ano particularmente seco, levam-nos a ter de considerar nos futuros estudos de segurança de abastecimento séries de produção hídrico-elétrica de anos secos, como por exemplo o ano de 2017, e começar a projetar as necessidades de potência firme por parte do sistema electroprodutor para 2035 e 2040. Ou seja, a aposta nas energias renováveis para a produção de eletricidade não pode colocar em causa a continuidade da satisfação da procura, exigindo a disponibilidade de potência firme e despachável. Essa potência deverá ser disponibilizada por centrais termoelétricas de ciclo combinado alimentadas a gás natural, eventualmente dopado com algum hidrogénio verde, e por centrais hídricas com reversibilidade, às quais se poderão vir a associar centrais que utilizem hidrogénio de origem renovável para a produção de eletricidade. Estas situações exigem mudanças de quadro regulatório e remuneratório a definir com alguma urgência nos próximos anos.

Simultaneamente há que atuar do lado procura melhorando significativamente a eficiência energética dos edifícios (de habitação, de serviços e da administração pública), melhorando a eficiência energética nos usos energéticos da indústria e da agricultura, associando estas ações ao aumento do autoconsumo e ao desenvolvimento de comunidades energéticas renováveis.

O setor energético e o setor elétrico, em particular, têm assim pela frente grandes e urgentes mudanças que precisam de ser orientadas por políticas públicas esclarecidas que conduzam, em consequência, a alterações regulatórias e regulamentares ousadas que permitam promover as mudanças necessárias. Estas alterações devem conduzir à simplificação e a uma maior agilidade dos processos de licenciamento, devem permitir a adoção de soluções técnicas inovadoras, dotadas de robustez tecnológica e suportadas na digitalização que permitam alargar a exploração das energias renováveis e participação dos consumidores na gestão do sistema elétrico, e devem estabelecer quadros remuneratórios competitivos e adequados a novas soluções necessárias para garantir a disponibilidade de serviços de sistema avançados e níveis de segurança de abastecimento adequados.

A resposta a todos estes desafios passa por uma forte contribuição da Investigação, Desenvolvimento e Inovação para desenvolver todo o processo de modernização das redes elétricas para os próximos 20 anos, garantindo assim que se atingirão as metas definidas. O Sistema Científico e Tecnológico Nacional tem essa capacidade instalada, apresentando um grande reconhecimento a nível internacional. A indústria Portuguesa tem, por sua vez, capacidade técnica reconhecida para responder a estes desafios. Desta forma, a transição energética será uma grande oportunidade que permitirá a Portugal afirmar as suas competências científicas e técnicas, criando simultaneamente mais e melhor emprego com capacidade de exportação de bens e serviços. Neste caminho todos serão vencedores.

 

*O autor escreve com o Acordo Ortográfico.

"A aposta nas energias renováveis para a produção de eletricidade não pode colocar em causa a continuidade da satisfação da procura, exigindo a disponibilidade de potência firme e despachável. Essa potência deverá ser disponibilizada por centrais termoelétricas de ciclo combinado alimentadas a gás natural, eventualmente dopado com algum hidrogénio verde, e por centrais hídricas com reversibilidade, às quais se poderão vir a associar centrais que utilizem hidrogénio de origem renovável para a produção de eletricidade."
Professor Catedrático da FEUP e Diretor Associado do INESC TEC
Portuguese, Portugal