"Se Portugal sair bem desta pandemia, pode criar uma imagem de marca de país saudável”
Reveja o debate Fronteiras XXI “Viver com o vírus”
O economista João Cerejeira acredita que é possível sairmos da crise causada pela pandemia da Covid-19 no prazo de dois anos. Tudo dependerá da rapidez com que os cientistas conseguirem uma vacina ou um tratamento para a doença provocada pelo novo coronavírus. Ainda assim, o professor de Economia da Universidade do Minho mostra-se optimista quanto à retoma: “Todo o capital físico e tecnológico continua cá, as máquinas e as infra-estruturas. E, ao contrário da crise de 2011, as pessoas não emigraram”. O investigador do Núcleo de Investigação em Políticas Económicas e Empresariais (NIPE) recomenda, por isso, um maior investimento no sector da saúde e do bem-estar, porque “pode gerar valor, um valor muito significativo”. E defende que as competências do sector do turismo devem ser aproveitadas para a saúde.
Em primeiro lugar, as condições sanitárias têm de ser iguais às que existiam antes do início da pandemia. O que apenas acontecerá quando houver uma vacina ou um tratamento eficaz para a doença. Essa fronteira é extremamente importante para a confiança que se vai transmitir aos trabalhadores, empresários e consumidores. Só a partir daí podemos medir o tempo que levará a economia a arrancar.
Sim, estou. Se até ao final do ano tivermos uma vacina, o ano de 2021 terá uma taxa de crescimento muito positiva e expressiva. Não diria que estaremos no mesmo ponto que estávamos em Janeiro de 2020, mas talvez no prazo de dois anos o consigamos. Todo o capital físico e tecnológico continua cá, as máquinas e as infra-estruturas. E, ao contrário da crise de 2011, as pessoas não emigraram.
Mas não é. Um dos desafios será impedir que a crise se transforme num problema financeiro a nível global. Porque, nesse caso, falarmos numa recuperação a dois anos poderá ser prematuro. E esse risco é real.
Basta que a confiança de quem empresta vá diminuindo face à capacidade de quem pede emprestado para pagar as suas dívidas. Nós já começamos a ter alertas das agências de ratings. Países que já estavam numa situação económica muito frágil podem entrar em incumprimento – a Argentina já pediu uma moratória nos seus pagamentos ao FMI.
Até ao momento, tem sido claramente insuficiente. Mas parece haver uma vontade de actuar de forma mais expressiva. Parece-me que a aprendizagem de há dez anos ficou. Sabe-se que não podemos entrar numa crise de dívida em países como a Itália e a Espanha, nem em países periféricos e mais pequenos como a Grécia e Portugal.
Não. A França, que representa uma parte muito significativa do PIB na zona Euro, pode vir a ter uma crise de dívida pública séria. Porque, ao contrário de Portugal que teve superavit, tem vindo a acumular dívida. Basta países como a França entrarem em incumprimento, ou haver uma subida das taxas de juro, para se colocar em risco a sobrevivência do Euro – que seria um desastre ainda maior.
Se o Banco Central Europeu (BCE) tiver uma cedência de liquidez contínua e se der sinais ao mercado de que não vai permitir que os juros da dívida pública de qualquer país da zona Euro disparem, como aconteceu há dez anos. Ou seja, o BCE assumiria o risco dos pagamentos da dívida de todos os países e acabaria por ser uma mutualização da dívida implícita. Acredito que será por esta via e não através de um acordo político, onde cada país estaria a pensar nos seus eleitores.
Não. Isso acentuaria ainda mais a crise. A nível europeu, as trocas têm de ser livres. Na realidade, prevejo uma maior integração dentro da UE e menos trocas entre os grandes blocos económicos (Europeu, Americano e Asiático).
Um dos sinais que esta crise deu é que uma fragmentação excessiva das cadeias de valor coloca em risco a sobrevivência das empresas. Quem produz automóveis na Europa vai ter de pensar muito bem qual é a sua cadeia de fornecedores, onde estão localizados e os riscos a que estão expostos – nomeadamente, ao risco de encerramento das fronteiras. Isso pode incentivar os produtores a terem fornecedores mais próximos. Uma das vantagens competitivas do têxtil português é a proximidade a grandes distribuidores europeus, como o grupo INDITEX. Provavelmente, vamos observar esse tipo de organização da cadeia de produção também noutros sectores.
Vamos fechar a cadeia de valor, para que a Europa tenha um peso maior nos produtos e serviços que consome dentro das suas fronteiras. Vamos ter mais produtores nacionais a venderem para os mercados europeus. Há componentes dos automóveis que eram adquiridos fora e que vão passar a ser produzidos cá. Não ficaria surpreendido se agora tivéssemos um crescimento em sectores como esse ou no dos equipamentos médicos.
Sim, obriga-os reinventarem-se, a alterar os canais de distribuição e a mudar processos de fabrico. No espaço de um mês, 27% das empresas portuguesas diversificaram a produção e 20% alteraram os canais de distribuição. Por exemplo, antes da pandemia adiavam-se os investimentos no digital. Mas, a partir de agora, a venda de produtos e serviços online vai acontecer a uma escala muito maior.
É essa a minha maior preocupação. Vai levar anos a recuperar. A curto e médio prazo, vamos ter mais portugueses a fazerem turismo em Portugal e menos estrangeiros. O turismo que pode crescer é aquele que está nas zonas rurais, no interior do país. Se avançarem as medidas de diminuir o número de passageiros por avião, isso quer dizer que o preço dos bilhetes pode aumentar muito. Ou seja, o turista que vem para Portugal passa a ser de um segmento elevado, com capacidade económica para ficar alojado em hotelaria de grande qualidade – associada ao golf, por exemplo.
Sim, o próximo ano vai ficar muito aquém do volume de emprego que se verifica actualmente. Podemos ter 3 a 4% da população activa desocupada por um período bastante longo.
Uma percentagem muito significativa da população portuguesa tem qualificações baixas, e a sua capacidade de adesão e aproveitamento das novas oportunidades no mundo digital é mais reduzida. É um desafio que passa por formação, mas também por programas específicos de reconversão destes trabalhadores para sectores que vão aumentar.
O sector da saúde é um bom exemplo. É sempre visto na óptica do custo, nunca se fala nele enquanto gerador de valor. Mas agora vemos que não investir na prevenção e tratamento tem um custo económico muito superior ao investimento. Acredito que vai passar a haver um maior investimento na saúde.
Portugal tem competências em duas áreas: na saúde e no turismo. Os nossos enfermeiros são reconhecidos a nível global e o nosso turismo tem uma componente de bem-estar muito forte. Com um esforço relativamente reduzido, os profissionais ligados à área do turismo poderiam ser reconvertidos para a área da saúde e alguns equipamentos de turismo convertidos para serviços de saúde e bem-estar – seja em infra-estruturas de apoio à população idosa, centros de reabilitação ou de cuidados continuados. Se Portugal sair bem desta pandemia, pode criar uma imagem de marca de país saudável com possibilidade de exportar serviços de saúde e bem-estar a nível europeu. Ao contrário do que se pensa, o sector da saúde e do bem-estar pode gerar valor, um valor muito significativo.
Uma faixa expressiva da população portuguesa não tem acesso aos apoios sociais. Estamos a falar de cerca de 1 milhão de pessoas, com contractos a termo, trabalhadores independentes e pequenos empresários, que não têm qualquer tipo de apoio e que passam por dificuldades muito expressivas. Começamos a ter notícias de fome e de necessidades, que se vão agravar ainda mais. O Estado tem de inovar no apoio social a quem não está elegível para obter subsídio de desemprego ou o rendimento social de inserção. Mas tem de actuar de forma muito rápida e sem burocracias. Poderia ser através de um crédito de emergência, proporcionado pelo Estado, que seria pago no futuro com as contribuições sobre os rendimentos. Muitos destes profissionais voltariam a trabalhar e a pagar IRS.
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor