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Para lá da massa anónima: os rios que desaguam no mar que é Fátima

Para lá da massa anónima: os rios que desaguam no mar que é Fátima

Ana Catarina André e Sara Capelo explicam o que encontraram no processo de pesquisa para o livro de retratos "Peregrinos"
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O texto que abaixo partilhamos foi escrito em exclusivo para o blog da Fundação por Ana Catarina André e Sara Capelo, as autoras do livro 'Peregrinos'.

 

Propomos um rápido exercício: que o leitor que já tenha estado em Fátima feche os olhos e regresse por instantes ao santuário. Quem vê? Talvez uma família em que a mãe está a empurrar o carrinho do bebé. Ou uma velha nazarena com as suas sete saias. Um grupo de freiras. Emigrantes percorrem de joelhos o passadiço à volta da Capelinha das Aparições. Logo atrás vem uma mulher, de gatas, com a filha às costas. Um casal de indianos tira uma fotografia em frente à nova Basílica, a da Santíssima Trindade. Se continuar este jogo de memória, provavelmente recordar-se-á de muitas mais pessoas e situações. Cada uma delas está ali com um propósito.

Como nos disse Marco Daniel, o director do Serviço de Estudos e Difusão e do Museu do Santuário de Fátima, o «santuário é uma espécie de mar onde desaguam vários rios.» Mas, quando pensamos em Fátima, quando observamos as celebrações do culto mariano ao longo do ano através da televisão, tendemos a ver a massa que ali acorre em oração (houve 5,3 milhões de visitantes em 2016, segundo dados oficiais do santuário). Quando decidimos escrever Peregrinos (editado a 7 de Abril pela Fundação Francisco Manuel dos Santos) foi para irmos além da massa. Queríamos conhecer as histórias de quem ali chega a pé, depois de dias de um caminho sofrido - em muitos casos -, mas enriquecedor - em todos eles.

Como jornalistas, queríamos fazer uma escolha abrangente e onde incluíssemos os que se sacrificam até ao limite - há quem faça todo o trajecto a pão e água (ou que, como a história de João António, que está no livro, caminhe descalço desde São João da Pesqueira) mas não só. Já lêramos sobre um pagador de promessas que cobra para peregrinar pelos outros. Era uma abordagem de Fátima totalmente diferente. Deviamos contá-la? E queríamos ter o retrato de um membro do clero? De emigrantes? Deveríamos incluir um empresário ou um advogado, já que Fátima é um «fenómeno interclassista», que junta desde «rurais à alta burguesia», como nos alertou um professor e investigador da Universidade Católica, Alfredo Teixeira.

Já mais à frente no processo de pesquisa, ocorreu-nos que seria interessante ter o retrato de alguém afastado da Igreja ou até de um agnóstico (como uma de nós é). É que recolhíamos nas várias entrevistas a ideia de que, seja por promessa ou por agradecimento a Nossa Senhora, Fátima é um fenómeno inquestionável e que muda vidas - até para quem como José Soares se define como um católico desiludido, e que ao chegar ao santuário depois de uma peregrinação desde o Fundão sentiu uma «recompensa espiritual enorme». Como a destas mulheres: Vera Mitra soube-se sempre apoiada pela mãe de Jesus no difícil processo para engravidar e fez até uma peregrinação entre tratamentos de inseminação artificial; mais longe, em Joanesburgo, onde mora, Maria José Pinto sentiu a força de Nossa Senhora durante os tratamentos a um cancro de mama; vinda de longe, da Holanda, Marleen van Grunsvent encontrou no colo de Maria o perdão depois de ter feito um aborto.

Foto de Alexandre Azevedo.

O livro 'Peregrinos' está disponível na loja online da Fundação, com 10% de desconto, portes de envio gratuitos e possibilidade de pagamento via Multibanco.

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

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