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Opinião GPS #1 - Contentorização, globalização e sustentabilidade ambiental

Opinião GPS #1 - Contentorização, globalização e sustentabilidade ambiental

Artigo de Gisela Rua, Economista Sénior na Reserva Federal dos Estados Unidos.
4 min

A segunda globalização, que se iniciou após a Segunda Guerra Mundial, deve-se em grande parte ao desenvolvimento da contentorização. Esta tecnologia de transporte marítimo, que foi usada pela primeira vez em finais dos anos 50, tem como base a ideia simples de que transportar mercadorias dentro de contentores standardizados e intermodais torna o seu transporte mais rápido e barato. O uso da contentorização transformou radicalmente o comércio internacional, permitindo que este ganhasse uma escala verdadeiramente mundial, estruturado à volta de complexas cadeias de valor globais. Hoje em dia, a grande maioria dos bens que consumimos é transportada em contentores.

Antes da introdução da contentorização, o transporte internacional de mercadorias era bastante custoso e lento. Os navios passavam várias semanas em terra, enquanto batalhões de trabalhadores das docas tratavam laboriosamente do embarque e desembarque das mercadorias. A adoção da contentorização trouxe a mecanização do movimento de mercadorias de modo que, em vez da tradicional aglomeração de pessoas e cargas nos cais, os portos passaram a estar recheados de guindastes gigantescos, usados para manobrar os contentores. Consequentemente, os custos de transporte reduziram-se de modo significativo. Os navios passaram a esperar dias, em vez de semanas, em terra. Estes ganhos de tempo e eficiência tornaram a construção e uso de navios de grande porte lucrativos e é por isso que os navios porta-contentores que são usados hoje em dia são significativamente maiores do que os navios que existiam antes da introdução da contentorização.

Contudo, estes colossos marítimos usam grandes volumes de combustível com alto teor de enxofre, o qual emite enormes quantidades de dióxido de enxofre, óxidos de azoto e material particulado. A poluição atmosférica derivada do transporte marítimo de mercadorias, tanto em contentores como de uma forma geral, também inclui o dióxido de carbono, o qual está associado cientificamente ao efeito de estufa. A indústria de transporte marítimo é responsável por mais de 2% das emissões globais de dióxido de carbono. Esta poluição ambiental é uma ameaça importante para a sustentabilidade do planeta e afeta, por isso, todos nós. É um exemplo clássico de externalidades negativas, em que alguns agentes ou países estão a impor um custo aos outros, mas não internalizam os efeitos adversos das suas ações.

A natureza global da indústria de transporte marítimo explica, em parte, a sua exclusão do Acordo de Paris sobre alterações climáticas.

Enquanto que outros modos de transporte têm beneficiado de avanços tecnológicos significativos no sentido de se tornarem menos poluentes, o transporte marítimo internacional tem ficado para trás. Os incentivos para implementar regulamentação a nível nacional são poucos, dado que os custos da poluição são globais. E eventuais políticas nacionais seriam difíceis de implementar, uma vez que a indústria é, por si só, global — um navio porta-contentores pode estar ligado a vários donos, vários operadores, vários registos internacionais, pode levar a bordo trabalhadores de várias partes do mundo e transporta muitas vezes mercadorias de várias origens e com vários destinos. Esta natureza global da indústria de transporte marítimo explica, em parte, a sua exclusão do Acordo de Paris sobre alterações climáticas.

Apesar destas limitações a nível nacional, tem havido algum progresso na esfera internacional. A Organização Marítima Internacional (IMO), a agência da ONU para o transporte marítimo, implementou limites de 0,5% no teor de enxofre dos combustíveis usados no transporte marítimo, com início já em Janeiro de 2020.  Adicionalmente, a IMO anunciou em 2018 um acordo entre a grande maioria dos seus membros para a redução para metade das emissões de dióxido de carbono até 2050. Na sequência deste acordo, a Maersk, o maior operador e fornecedor de navios porta-contentores do mundo, anunciou também o seu objetivo de alcançar a neutralidade de carbono até 2050.

Para atingir estas metas, vai ser necessário substituir as atuais tecnologias de navegação baseadas em combustíveis de elevado impacto ambiental por soluções sustentáveis. Estas soluções passam pelo uso de combustíveis alternativos como o gás natural liquefeito (LNG) ou o hidrogénio, ou então a criação de navios alimentados por baterias elétricas de grande capacidade ou com propulsão assistida pelo vento. As tecnologias estão em desenvolvimento, mas o tempo é curto. Dado que os navios tendem a durar cerca de 20 a 30 anos, é preciso começar já a construir a próxima geração de navios que transportará mercadorias em 2050.

Gisela Rua é Economista Sénior na Reserva Federal dos Estados Unidos. Consulte o seu perfil no GPS-Global Portuguese Scientists.

Fotografia de capa por Frank McKenna.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

Portuguese, Portugal