Novos escalões do IRS: mais progressividade, mas quanto?
«As alterações vão no sentido de aumentar a progressividade do sistema, ou seja, de diminuir a carga fiscal média suportada pelos contribuintes com menor rendimento, mantendo as dos que têm maior rendimento. Mas seria ideal podermos ir além desta afirmação qualitativa e quantificar a mudança.»
O Orçamento de Estado para 2018 prevê uma alteração dos escalões de IRS. Desde 2013 que existem 5 escalões, que se têm mantido constantes, com a excepção de correcções para a inflação. A partir de 2018, haverá 7 escalões, que surgem do desdobramento dos anteriores segundo e terceiro, complementados com uma diminuição no limite inferior do actual 4.º escalão (que passa a ser o 6.º).
Existem, assim, dois grupos de contribuintes que beneficiarão de diminuições de taxa marginal: para os que têm rendimentos colectáveis entre 7 091 e 10 700 euros anuais, de 28,5 para 23%; para os que têm rendimentos colectáveis entre 20 261 e 25 000 euros por ano, de 37 para 35%. E existe um grupo que enfrenta um aumento da taxa marginal, de 37 para 45%: os contribuintes com rendimento colectável entre 36 856 e 40 522 euros anuais.
Analisando as taxas médias, estas alterações vão no sentido de aumentar a progressividade do sistema, ou seja, de diminuir a carga fiscal média suportada pelos contribuintes com menor rendimento, mantendo as dos que têm maior rendimento. Seria ideal podermos ir além desta afirmação qualitativa e quantificar esta mudança, dizendo quão mais progressivo fica os sistema fiscal. Infelizmente, com a informação disponível no site da Autoridade Tributária ou nos documentos de suporte ao Orçamento de Estado para 2018, é impossível fazer este exercício. Curiosamente, nem o próprio governo o faz na apresentação do OE.
Para explicar melhor esta afirmação, convém definir alguns conceitos básicos dos sistemas fiscais, utilizando os dados de 2015, que são os últimos disponíveis no Portal das Finanças. A cada escalão do imposto sobre o rendimento corresponde uma taxa que chamamos marginal.
Por exemplo, em 2015, o rendimento colectável até 7 000 euros anuais era sujeito a uma taxa marginal de 14,5%, enquanto que o rendimento entre 7 000 e 20 000 euros era sujeito a uma taxa de 28,5%. Tomemos, para exemplificar, o caso de uma contribuinte com um rendimento bruto de 20 000 euros anuais, que vive sozinha e não tem menores a seu cargo. Em princípio, esta trabalhadora terá pago, ao longo do ano, 2200 euros de segurança social. Como este valor é inferior a 4 104 euros, a dedução específica é igual a este último montante. O rendimento colectável fica, assim, de 15 896 euros. Agora aplicamos as taxas de imposto. A contribuinte paga 14,5% sobre 7 000 euros e 28,5% sobre 8 896, ou seja, tem uma colecta de 3550,36 euros. A taxa marginal é, portanto, aquela que incide sobre a última tranche de rendimento obtida pela contribuinte.
Um outro conceito importante, e mais simples, é o de taxa média, que é o rácio entre a colecta de imposto e o rendimento bruto. Neste caso, a taxa média é de 17,8%. Esta taxa média ignora, no entanto, as possibilidades de dedução à colecta de uma série de despesas das famílias, como as de educação, saúde, habitação. Ignora, também, o impacto do agregado familiar, que implica, entre outras, uma dedução à colecta automática por descendente que se elevava, em 2015, a 325 euros por criança, majorada para 450 para menores de 3 anos. O impacto destas é bastante grande. Em 2015, a taxa média paga por contribuintes com rendimentos entre 19 000 e 27 500 euros anuais foi de 9,1% - ou seja, as deduções à colecta diminuíram a taxa média para cerca de metade. Para rendimentos mais elevados, devido aos limites máximos de deduções à colecta, a discrepância é menor. O Portal das Finanças apenas disponibiliza informação sobre as deduções à colecta totais, sem discriminar por escalão. Ficamos, assim, impossibilitados de analisar a forma como estas alteram a progressividade do sistema.
Existe, portanto, uma diferença substancial entre a taxa média estatutária, ou seja, aquela que decorre da aplicação directa das taxas marginais, e a taxa média efectiva, ou seja, aquela que é, de facto, suportada pelos contribuintes. Acontece que no ficheiro Power Point disponível no site do governo de “Apresentação da Proposta de Orçamento de Estado para 2018”, o impacto das alterações é apresentado com base nas taxas médias estatutárias (slide 21). Estamos, portanto, longe de conhecer o efectivo impacto destas alterações no bolso dos contribuintes. Nos slides seguintes (22 e 23) existe uma tentativa de ir um pouco além, considerando perfis específicos de contribuintes (solteiro ou casado, com ou sem filhos). No entanto, não é claro se as “despesas gerais familiares” correspondem ao perfil de um agregado típico para aquele rendimento e composição familiar. Os números “redondos” considerados, de 250, 335 ou 500 euros, respectivamente, levam-me a crer que não. Ora, na impossibilidade de os investigadores se debruçarem sobre esta questão, por indisponibilidade de dados individuais devidamente anonimizados, seria desejável, em nome da transparência de um sistema fiscal cujos detalhes os contribuintes estão longe de dominar, que o Ministério das Finanças tivesse feito este exercício.
Susana Peralta é Professora Associada na Nova School of Business and Economics e membro da Equipa Científica da FFMS.
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.