A montanha pariu um rato
O Conselho de Ministros aprovou recentemente um programa de 2.400 milhões de euros, com o objetivo de mitigar o efeito da inflação sobre o poder de compra das famílias portuguesas.
De entre as oito medidas apresentadas destacam-se duas: a) «atribuir aos pensionistas um suplemento extraordinário equivalente a meio mês de pensão» e b) «atribuir um pagamento extraordinário de 125 euros a cada cidadão com rendimento até 2.700 euros mensais».
A Meia Pensão….
Relativamente à primeira medida, importa referir que a mesma está intimamente ligada ao aumento das pensões.
Com efeito, em vez de aplicar a fórmula de atualização automática das pensões (que conduziria a aumentos entre 7,1% e 8% nas pensões em 2023), decidiu repartir este acréscimo em duas componentes.
Uma primeira, correspondente a um adiantamento extraordinário e não repetível, equivalente a meia pensão, em outubro de 2022. Uma segunda, correspondente a aumentos manifestamente mais reduzidos das pensões (entre 3,4% e 4,43%) do que os que resultariam da aplicação da fórmula de atualização referida, a aplicar a partir de janeiro de 2023.
Esta decisão, terá efeitos distintos no curto e longo prazo.
Na realidade, se no horizonte temporal que termina em final de 2023 os pensionistas não deverão ser prejudicados uma vez que, no conjunto das medidas, o acréscimo de rendimento será aproximadamente equivalente ao que obteria se fosse aplicada a fórmula «tradicional» de atualização das pensões, no longo prazo a situação é claramente distinta.
Com efeito, a partir de 2023 a base de cálculo para efeitos da cadeia de atualizações futuras das pensões será mais baixa, o que significa que no longo prazo os pensionistas sairão prejudicados.
Para ilustrar este efeito, considere-se, por hipótese, uma pensão inicial de 100€.
Admitindo que a fórmula de atualização automática das pensões conduziria a um aumento das mesmas de 8% em 2023 (passando de 100€ para 108€).
Com o mecanismo adotado pelo governo, o pensionista receberá duas componentes: Uma primeira componente, paga em outubro de 2022, «equivalente a meio mês de pensão», que corresponderia, neste exemplo, a 50€ (o que dividido por 14 meses, corresponderá a 3,571€ por mês). Uma segunda componente, assentaria na atualização da pensão em 4% em 2023, passando esta de 100€ para 104€.
Globalmente, o pensionista terá um acréscimo de rendimento mensal (14 meses) projetado para 2023 de 3,571€, correspondente à primeira componente, acrescido de 4€ por via da segunda componente (atualização da pensão), totalizando, desta forma, um acréscimo mensal de rendimento projetado para 2023 de 7,571€ (valor que compara com os 8€ se a atualização tivesse ocorrido de acordo com as regras normais).
E o que acontecerá a partir daí?
Admitindo que a atualização das pensões em 2024 e 2025 será de 5%, como evoluirão as pensões?
Recuperando o nosso exemplo, sendo a base de cálculo para este aumento os 104€ (valor da pensão no final de 2023), isto significa que a pensão passará para 109,2€ em 2024 e 114,7€ em 2025, valores que comparam, respetivamente, com 113,4€ e 119,1€ caso fosse aplicada a fórmula de atualização das pensões até agora em vigor – Figura 1.
Figura 1 – Evolução das Pensões (Proposta do Governo versus Atualização Automático)
Saliente-se que o efeito da atualização proposta pelo governo pode ainda ser medido de uma outra forma.
Se consideramos as perdas mensais estimadas no montante de 4,2€ em 2024 e 4,4€ em 2025 (para uma pensão de 100€ em 2022), constata-se que a perda anual (14 meses) será de 58,8€ e 61,7€, respetivamente, o que corresponde a cerca de 53,8% do valor mensal da pensão que o pensionista irá receber – Tabela 1. Ou seja, com a formulação de aumento proposta pelo governo o pensionista deixará de receber anualmente cerca de meia pensão face ao que obteria se a regra automática de atualização das pensões fosse aplicada.
Tabela 1 – Evolução das Pensões e “Perda” Estimada (em Euros)
…. e os 34 Cêntimos
A decisão de «atribuir um pagamento extraordinário de 125 euros a cada cidadão com rendimento até 2.700 euros mensais» pode ser vista a partir de duas perspetivas. eficácia e equidade social.
No que respeita à eficácia, a medida proposta pelo governo apresenta um alcance muito limitado. Senão vejamos, o pagamento único de 125€ é equivalente a um pagamento mensal (durante 12 meses) de 10,41€ ou a um pagamento diário (durante 365 dias) de 34,24 cêntimos, permitindo ao beneficiário assegurar o pagamento de um café…. de dois em dois dias!
Se do ponto de vista da eficácia, a medida proposta parece, no mínimo, discutível, do ponto de vista da equidade, a conclusão não será distinta.
Com efeito, de acordo com o artigo 9.º da lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro), “o princípio da equidade social traduz-se no tratamento igual de situações iguais e no tratamento diferenciado de situações desiguais”.
Ora, não parece que esse princípio esteja a ser respeitado quando se atribui montante igual (i.e., 125€) a um individuo com um rendimento mensal de 2.700€ ou a um indivíduo com o salário mínimo (i.e., 705€) – Figura 2.
Figura 2 – Peso do Pagamento Extraordinário de 125€ no Rendimento Mensal do Beneficiário
Epílogo
Horácio, filósofo e poeta romano, terá dito “parturiunt montes, nascetur ridiculus mus” que, em tradução livre, corresponderá ao seguinte: «a montanha pariu um rato».
Esta expressão é usualmente utilizada para designar uma coisa que após muitas expectativas, corresponde, na realidade, a algo insignificante.
No caso da «meia pensão» e dos «34 cêntimos» parece inequívoco que a expressão do poeta romano «assenta que nem uma luva».