Entrevista GPS #45: «A empatia e o altruísmo protegem-nos de uma variedade de doenças mentais»
«Uma boa cognição social (facilitada por bons genes e bom ambiente) de empatia e atitude pró-social, altruísta, protege-nos de uma variedade de doenças mentais, a depressão, a demência, a esquizofrenia, a toxicodependência, etc.»
Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?
No meu lab investigamos as bases biológicas da cognição social em humanos, e como podem estar alteradas em algumas doenças psiquiátricas. Porque se pensa que é crucial em processos cognitivos sociais como os que permitem a empatia, a recompensa social e a vinculação, tentamos caracterizar o papel da hormona oxitocina. Também procuramos criar ferramentas de diagnóstico e prognóstico psiquiátrico que auxiliem os médicos. A nossa abordagem combina técnicas de neuroimagiologia, electrofisiologia, genética, psicologia, e farmacologia, entre outras. Sugiro que visitem o meu site, onde encontram uma curta mensagem biográfica minha, uma lista dos projectos em que estou envolvida e um conjunto de recortes de imprensa para entrevistas que dei e artigos sobre o meu trabalho (de que destaco uma recente entrevista ao Diário de Notícias). E há ainda um vídeo em que explico o que faço.
Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?
Estudar a forma como de um amontoado de células surge um pensamento, uma emoção ou uma vontade é das coisas mais fascinantes de que me consegui lembrar quando estudava biologia na faculdade e psicologia nos tempos livres. Em particular os pensamentos, as emoções ou as vontades cujo "objetivo" evolutivo é… fazer-nos entender, responder e provocar pensamentos, emoções e vontades nos outros. A cognição social nos humanos é sem duvida das cognições mais difíceis, e das que chegaram mais tarde no tempo evolutivo ao mundo animal. E por conseguinte é a que permite a existência de comportamentos de confiança, e de cooperação, que permite que tenhamos sistemas económicos, políticos, nações, a medicina, o amor… e... saúde mental. Uma boa cognição social (facilitada por bons genes e bom ambiente) de empatia e atitude pró-social, altruísta, protege-nos de uma variedade de doenças mentais, a depressão, a demência, a esquizofrenia, a toxicodependência, etc. E portanto é importante caracterizar os factores genéticos e ambientais, e mecanismos inerentes, que a facilitam, para que a sociedade os promova. De outro prisma, também é importante prepararmo-nos para ajudar pessoas que sofrem destes males pois eles próprios despoletam ainda mais défice e isolamento sociais. Ao fim ao cabo, uma vida social satisfatória é maior factor preditivo para a felicidade e é o aspecto de que as pessoas mais se arrependem de não ter dado mais atenção, quando no final da sua vida.
Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?
Acima de tudo, queria explorar. Mais do que ciência, explorar o mundo. Tinha estado num encontro de estudantes de biologia na Holanda, uma semana, e apercebi-me de que me fascinava a diferença entre culturas. E ainda hoje acho das coisas mais interessante e úteis para se ter maior empatia e tolerância, em relação aos outros. Percebi que tinha de sair de Portugal e continuar a conhecer o mundo e a psicologia do ser humano, de uma forma experiencial, em complemento aos livros de evolução, genética, neurociência, psicologia e história que andava a ler. Tal era a vontade que não esperei por acabar o curso, fiz uma pausa e fui meio ano para a Holanda, depois ainda fui para a Grécia de Erasmus (onde conheci a fundo pessoas do mundo árabe e islâmico), e depois de acabar o curso estava em Londres num estágio que foi “all the way” até ser Professora no King’s College London, no Reino Unido. Estive 12 anos em Londres. Escolhi o local porque era onde eu achava que mais ia saciar a minha curiosidade sobre as formas de pensar, sentir e os desejos das pessoas, as suas culturas e a forma como entre elas variam em termos do que anseiam, temem, desejam, promovem, acreditam, defendem e dos seus estereótipos. Ao mesmo tempo tinha a oportunidade de estudar num local que misturasse a biologia com a psicologia. Em Portugal não havia nem BSc (que ainda não há) nem MSc (que já temos) em Neurociência. Aprendi imenso no Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociência do King’s College London, principalmente porque saltei de departamento em departamento e era treinada por geneticistas, estatisticos, psicólogos, neuroimagiologistas, psiquiatras…. e aprendi especialmente sobre a arte de colaborar, a abertura para inovar e o divertimento em produzir conhecimento em conjunto. Percebi que, num local em que me rodeavam cientistas tão multidisciplinares, adorava sentir-me ignorante, pois isso significava a oportunidade de aprender com os outros - e assim fui tendo resultados mais produtivos do que esperava - sem quase me preocupar com isso. Fui também sempre muito incentivada e “uplifted” - é a parte social do trabalho que é tão importante para os indivíduos e para a produtividade em si.
Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?
Em geral, acho que falta ainda espírito de inovação e coragem, e humildade. Ironicamente, por um lado há uma inércia, uma imobilização em procurar perguntas, estratégias, metodologias e colaborações novas; talvez por medo de errar, dar passos em falso, de “ser falado” - em geral somos um povo desconfiado, acho. Por outro lado, embora haja medo, há ao mesmo tempo, falta de humildade; há muito "argumento de autoridade" como justificação para as decisões (de conselhos científicos, comissões de ética, diretores de departamento e de instituições - que chegam a ver um questionamento dessas decisões não justificadas, como uma ofensa) mesmo no meio científico e médico, onde seria de menos esperar. Há muita preocupação com a manutenção de hierarquia, sem olhar a meios: chegando mesmo ao bullying às claras, e as críticas destrutivas, e à quase total omissão de elogios e incentivos. Os decisores e líderes esquecem-se que o são para servir os outros (para os ajudar a fazer o seu trabalho), e não ao contrário. Portanto temos por vezes o receio misturado com alguma altivez. Por exemplo, a resposta à falta de familiaridade em relação a um novo ramo de investigação ou metodologia, é, em vez de ser a assunção corajosa dessa ignorância e a procura de ajuda de quem sabe, mesmo que hierarquicamente inferior (ou mais novo ou mulher…), é infelizmente um maior fecho ao desconhecido (à metodologia inovadora) que se pode traduzir na sua não-facilitação ou até bloqueio. Tudo, possivelmente, por que se tem medo de deixar transparecer essa ignorância. Em Ciência, isto não faz sentido nenhum. A ignorância é uma oportunidade de aprender, para inovar. É um ponto de partida, se a assumirmos como um desafio. É um desconforto benigno, até imprescindível, em Ciência.
Fui notando desde que cheguei há 3 anos estes sintomas na investigação académica portuguesa (em particular a biomédica), justamente porque a minha área da neurociência cognitiva e psiquiátrica em humanos é bastante pouco representada no país. No início pensei que os impedimentos e atrasos advinham apenas de falta de familiaridade, ou profissionalismo, mas agora percebo que é mais cultural que isso. Há um clima de receio e alguma altivez, misturados - que se alimentam um ao outro. O ano passado alguém me disse: “Quando a Diana ganhou o (3.º) prémio de cientista mais promissora das Acções Marie Curie, eu fiquei logo preocupada consigo…” Pergunto: Será a meritocracia, portanto, desconcertante, na ciência portuguesa? Já me tinham avisado antes de voltar - nomeadamente muitos colegas na minha situação que voltaram a sair do país e os que cá estão mas frustrado e cínicos - mas eu, sendo optimista, fiquei e (ainda) não me arrependi. Estou contente com as contribuições que fiz e faço. A vantagem é que há muito por fazer, e ainda muito mais do que pensava quando cheguei. Isso motiva, pelos menos os mais esperançados e energéticos. Ficar, é com paciência, amor pelo desafio, e espírito de missão. E é a cultura que há que mudar. Não é o dinheiro que falta, esse até há e é meritocrático, do Estado, da UE, nem é a vontade de a diáspora regressar que falta, essa também existe e está mortinha por isso, como eu estive. A título de exemplo, eu tenho bastante dinheiro para investigar e não o consigo gastar com o ritmo devido, porque estou a aguardar resposta de uma comissão de ética há 9 meses para um projeto, 1 ano para o outro, 6 meses para o mais recente… Ao fim e ao cabo, mudar a cultura “takes more than two”, e por isso não me revejo na atitude de “está tudo tão mal, mas não vou ser eu a mexer-me…” - isto não se resolve sendo ignorado, ou com mais receios. Espero poder continuar a contribuir, e pelo menos com as fantásticas pessoas mais jovens (e ainda menos aculturadas) que vou tendo a oportunidade de ajudar a treinar e a fazer com que tenham condições de trabalho na minha área, já vamos sendo alguns a mudar a cultura pouco a pouco, e quando preciso, batalha a batalha.
Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?
Penso que é importante dar-se visibilidade à diáspora portuguesa não só para valorizar a preparação geralmente adequada que os cientistas portugueses como alunos recebem em Portugal mas também as condições menos convidativas em Portugal para investigação que são um dos motores para a saída de cientistas. Em segundo lugar, permite potenciar as colaborações entre portugueses no estrangeiro. Para colaborar, qualquer razão é boa. E aproveitar o vinculo cultural que existe naturalmente entre portugueses - especialmente os que estiveram ou estão fora - é inteligente.
Consulte o perfil de Diana Prata no GPS-Global Portuguese Scientists.
GPS é um projecto da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a agência Ciência Viva e a Universidade de Aveiro.
Fotografia de Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.