Em defesa da floresta
Por que é a defesa das florestas tão importante?
As florestas têm um papel crucial na manutenção da vida na Terra, prestam inúmeros bens e serviços à humanidade. Através da fotossíntese, sequestram CO2 e conseguem manter o equilíbrio dos gases com efeito de estufa na atmosfera. São uma garantia para o ciclo da água e dos nutrientes. Dão madeira, resinas, cortiça. Dão caça e pesca e contribuem para a sobrevivência das abelhas. Além de que toda a fauna silvestre vale por si.
A sociedade valoriza os serviços do ecossistema?
No nosso País só agora começamos a valorizar, mas no centro da Europa é uma febre. São sociedades mais urbanizadas do que a nossa e passam os fins de semana e as férias na floresta.
O que mudou desde que começou a estudar as florestas portuguesas?
A grande diferença que existe entre a década de 1970 e hoje é que, na altura, falávamos mais dos serviços ecológicos e não tanto dos sociais. Possivelmente, porque havia populações no interior e não havia esta sede que existe hoje de a população urbana ir para a floresta passar tempo livre. Em 1974, no ISA, já dizíamos que uma floresta deve ser gerida de forma a garantir a sua sustentabilidade. Hoje temos de provar que é sustentável para poder ser certificada como tal. Há grandes equipas de auditores internacionais que vão verificar se estão a cumprir os requisitos. A certificação transformou-se numa indústria.
Como é que se gerem florestas de forma sustentável?
Não é fácil, porque ainda não se conhece a natureza tanto quanto seria necessário. Ela é muito complexa. Ás vezes, temos surpresas. A pessoa julga que está a fazer bem e mais tarde percebe que não. A gestão das florestas é uma aprendizagem contínua, o que vai contra a filosofia de hoje em dia. Agora, o técnico florestal tem de definir, num modelo de silvicultura, como vai gerir aquela floresta ao longo de 50 anos. A intervenção tem de ser flexível e tem de ser feita por etapas. Temos de ir reavaliando.
As nossas florestas estão preparadas para enfrentar as alterações climáticas?
Temos um problema grave, sobretudo no Norte, onde uma grande percentagem da floresta não é gerida devido à sua total falta de rentabilidade, à estrutura da propriedade e ao abandono rural. Como não retiram rendimento dela, os proprietários não a gerem. Além de tudo isto, em Portugal, não temos verbas para fazer investigação aplicada à silvicultura – extremamente importante para conseguirmos enfrentar as alterações climáticas. Não temos dados. Precisamos de fazer estudos de genética, saber se podemos trazer árvores de proveniências diferentes para se reflorestarem zonas onde a taxa mortalidade das árvores é elevada e em risco de desertificação – por vários factores, entre os quais as alterações climáticas.
Então, não se faz nada?
Há muitos projectos excelentes que não são aprovados e os poucos que têm luz verde só recebem financiamento por períodos de três anos. Ou seja, são interrompidos e muitos abandonados. Não existe monitorização de longo prazo em Portugal. Isto é gravíssimo, especialmente agora com as alterações climáticas.
Que efeitos é que a crise climática pode ter na paisagem nacional?
Temos mais seca, disso não temos dúvida. Mas não sabemos exactamente o que vai acontecer. O problema é maior no Sul do que no Norte. Com seca extrema, a maioria das espécies não se aguenta muito tempo. No Norte, aos poucos teremos que plantar as espécies que agora estão no sul. No Sul, se elas morrerem, não estou a ver o que é que lá pode ser colocado. Ajudava muito se as zonas em risco de desertificação fossem reflorestadas.
Ficamos mais vulneráveis a incêndios?
Sim. O clima que nós temos está a facilitar a activação e a propagação de incêndios. Portugal tem uma grande área florestal que cobre cerca de um terço do território. A estrutura da propriedade privada é uma manta de retalhos. E ainda temos o problema do fogo posto. Vai ser muito difícil de resolver a questão dos incêndios. A prevenção é dificílima porque é um problema socioeconómico, não é técnico. Passa por gerir a paisagem de uma forma diferente – uma área grande e não proprietário a proprietário. Para isso, as mentalidades têm de mudar. Só que é mais difícil lidar com pessoas do que com árvores.
Quem é que vai investir na silvicultura havendo uma grande probabilidade de arder?
No Alentejo, na zona de Évora e Estremoz, vêem-se muitos montados de sobro jovens. Tudo por causa de um programa para arborização de terras agrícolas, antes de o Euro entrar, que financiou a plantação daqueles sobreiros e pagou aos proprietários um valor por hectare. Houve uma adesão brutal! Agora, algumas árvores já começam a dar cortiça. E atenção que os proprietários do Sul têm mais recursos que os do Norte, mas mesmo assim só fizeram aquelas plantações porque tiveram ajuda. Há uma mortalidade brutal entre as árvores no sul do Alentejo. Talvez essas ajudas compensem as percas. Talvez.
Pensava que se adoptavam sistemas de agro-florestação, como o montado, para evitar incêndios.
Ter áreas de silvo-pastorícia melhora a situação. Basta ver que no Sul é onde há menos incêndios, mesmo sendo mais quente do que o Norte. O mosaico florestal do Sul melhora, mas não resolve o problema. Se o fogo atravessa uma auto-estrada, consegue trespassar uma faixa de pastagem por muito larga que ela seja.
Como é que se torna a floresta mais rentável?
Temos de valorizar mais os serviços do ecossistema. Não basta apenas valorizar a madeira, as resinas e a cortiça, que, actualmente, são a única rentabilidade que vem da floresta. Ninguém vai plantar espécies que não sejam rentáveis na propriedade privada. O eucalipto consegue ser, nalgumas zonas, mas espécies como o carvalho, o sobreiro, o castanheiro, a azinheira, demoram muito tempo a crescer. E nós precisamos que os pequenos proprietários plantem essas espécies, porque um mosaico assim pode dificultar a propagação dos incêndios. Para isso, devem ser compensados. Não gosto de chamar-lhe subsídio, mas a verdade é que estariam a prestar um serviço à sociedade e deveriam ser remunerados por isso.
Ajudava se usássemos mais produtos de madeira?
De certa forma. Se construíssemos mais edifícios em madeira, aproveitássemos mais as resinas e a cortiça, se fizéssemos papel de escrita de qualidade (mais do que o de jornal), são tudo formas de sequestro efectivo de CO2. O mundo vai precisar de muito mais madeira, para construir edifícios e já existem alguns com mais de 50 metros de altura. Nunca percebi porque é que não se vêem mais casas em madeira, em Portugal. É mais nos países nórdicos que se vêem construções em madeira.
Como é que se vai responder à crescente necessidade por madeira?
Plantando mais árvores. Não há outra hipótese. No caso das florestas tropicais, uma vez desflorestadas, é muito difícil de reflorestar porque elas têm um funcionamento extremamente complexo. Mas é possível fazer plantações sustentáveis noutras zonas. Há uma plataforma internacional liderada por um português [Luís Neves Silva], a New Generation Plantations, onde se estão a desenvolver soluções de manutenção das florestas nativas em simultâneo com as necessidades de plantação.
As escolhas do consumidor podem ajudar a valorizar mais a floresta?
Nunca pensei bem na questão. Hoje em dia o consumidor preocupa-se mais, prefere mais os produtos ecológicos. E a obrigatoriedade de ter a floresta certificada melhorou a gestão, porque as empresas de celulose tiveram de contratar florestais. Elas passaram a fazer uma gestão da floresta diferente daquela que faziam há umas décadas, quando se plantavam eucaliptos até à beira das ribeiras e se cortavam 400 hectares de floresta num só dia. Agora, preocupam-se em intercalar o eucalipto com áreas de conservação, com a qualidade da água. Eles vendem papel para a Alemanha e os consumidores alemães só compram papel com certificado de sustentabilidade. Indirectamente, as preferências dos consumidores tiveram impacto.
Reveja o Fronteiras XXI “O que é que podemos fazer pelo planeta?”
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