A
A
Entrevista GPS #4: «Fascina-me contribuir para melhorar a vida das pessoas com demência»

Entrevista GPS #4: «Fascina-me contribuir para melhorar a vida das pessoas com demência»

Entrevista a Rafaela Ganga, socióloga que desenvolve investigação no Reino Unido para ajudar pessoas com demência.
5 min
Autor
Nascida no Porto em 1984, Rafaela Ganga trabalha hoje no Reino Unido, num projecto de investigação que procura potenciar o papel dos museus na melhoria das condições de vida das pessoas com demência. Esta entrevista foi realizada no âmbito do Global Portuguese Scientists (GPS).

 

Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?

Neste momento, sou Research Associate do Institute of Cultural Capital (ICC) no projeto Crossing Boundaries: The value of museums in dementia care. O ICC nasce da parceria entre a University of Liverpool e a Liverpool John Moores University. Pretende avaliar o impacto da Capital Europeia da Cultural – Liverpool 2008. Neste sentido, o ICC tem-se dedicado a avaliar o impacto da cultura e das artes na sociedade contemporânea. O projecto ao qual dedico, atualmente, 100% do meu tempo procura compreender o lugar dos museus no cuidado da demência. Neste momento, a demência é a principal causa de morte em Inglaterra e, como tal, tem sido alvo de grande atenção, não só por parte do sector da saúde. No ICC acreditamos que as instituições culturais e as ciências sociais têm um papel a desempenhar na melhoria da qualidade de vida das pessoas que vivenciam esta doença. Quando digo pessoas que vivem com a doença, refiro-me, igualmente, aos profissionais sociais e de saúde, às famílias e, genericamente, a todas as pessoas que no seu quotidiano se cruzam com esta condição. Neste âmbito, enquanto socióloga, o que faço é desenhar, aplicar e analisar um aparato metodológico que nos permita compreender qual é o impacto social do trabalho dos museus no cuidado da demência. Em particular, o impacto do projecto House of Memories dos National Museums Liverpool. A informação recolhida verte em diferentes níveis, seja informar o museu sobre as suas práticas, seja contribuir para a formulação de políticas públicas nesta matéria.

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

O que me fascina nesta área de trabalho é a ligação umbilical que existe entre a investigação sociológica, as práticas culturais e artísticas e as políticas públicas, neste caso em particular, entre as áreas da saúde e da cultural. Tem sido, absolutamente, estimulante trabalhar numa área em que o conhecimento que produzimos rapidamente passa para a sociedade civil em múltiplas formas, ultrapassando as barreiras que muitas vezes separam a ciência da sociedade, a fim de encontrar possibilidades de vida mais positivas para todos aqueles que vivem com a demência.

Por que motivos decidiu emigrar e o que encontrou de inesperado no estrangeiro?

Ao longo dos meus anos formativos no ensino superior fui experienciando diferentes intercâmbios: primeiro o Erasmus na Lituânia, depois o Leonardo na Áustria, e já no âmbito do doutoramento fiz dois períodos de investigação de um ano, primeiro em Liverpool – cidade à qual regressei quase 10 anos depois – e, em seguida, em Vilnius na Lituânia. Regressei a Portugal para concluir o doutoramento, dei aulas no ensino superior, trabalhei em vários projectos de investigação como bolseira, sempre ou com recibos verdes, ou com bolsas de investigação abaixo das minhas qualificações. No que diz respeito a trabalho não renumerado, fui investigadora em outros tantos projetos, editei livros, números especiais de revistas, organizei congressos internacionais, dei aulas em múltiplas universidades públicas desde o nível de licenciatura ao doutoramento, orientei teses de mestrado, entre tantas outras funções com as quais a maioria dos recém-doutorados estão familiarizados. Até que decidi que já chegava. Eu, os meus pais e o meu país havíamos investido demasiado na minha formação para que eu continuasse a aceitar a precariedade como algo digno. Assim, decidi sair para procurar o reconhecimento que não encontrava em Portugal. Rapidamente me deparei com o que não existe no sistema cientifico do meu país: um contrato de trabalho no qual sou reconhecida como trabalhadora e não como uma espécie de eterna estudante, com um regime especial de segurança social que nunca me trouxe segurança.

Enquanto se mantiver o atual Estatuto de Bolseiro de Investigação Científica e as actuais circunstâncias, as minhas perspectivas sobre o sistema científico português continuarão muito pouco efusivas.

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

O mercado de trabalho científico em Portugal é precário, juridicamente desprotegido e pouco reconhecido. O Estatuto de Bolseiro de Investigação Científica regulamenta o trabalho de grande parte do tecido científico português, uma vez que os bolseiros de investigação constituem a face mais visível e numerosa dos trabalhadores científicos. Estes profissionais são responsáveis pelo grosso das tarefas técnicas e práticas associadas à atividade científica e têm contribuído de forma significativa para o aumento da produtividade científica nacional. Contudo, têm um estatuto que não lhes consagra o carácter jurídico de trabalhador e continuam a não beneficiar de um estatuto profissional capaz de valorizar e dignificar o seu papel no sistema científico e tecnológico nacional, sendo uma forma de recrutamento de recursos humanos altamente qualificados a baixo custo e sem acesso a uma plena cidadania social. Não podemos esquecer que a última atualização dos valores das bolsas de investigação data de janeiro de 2002, tal significa que o grosso do capital humano da ciência portuguesa vê os seus rendimentos “congelados” há 15 anos. Perversamente, o Estatuto de Bolseiro de Investigação Científica requer que os contratos de bolsa sejam assumidos em exclusividade, impedindo a complementaridade com outras fontes de rendimento.

De igual modo, nos últimos anos, Portugal investiu na formação avançada de recursos humanos, sem desenhar uma estratégia de recuperação desse mesmo investimento, uma vez que não criou empregos, ou conduziu uma séria reforma do sistema de ensino superior e científico que convide os “cérebros” nacionais a regressar e/ou permanecer em Portugal, após períodos de formação no estrangeiro. Neste sentido, enquanto se mantiver o atual Estatuto de Bolseiro de Investigação Científica e as actuais circunstâncias, as minhas perspectivas sobre o sistema científico português continuarão muito pouco efusivas.

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

Fiquei bastante entusiasmada com o lançamento da rede GPS, uma vez que congrega numa única plataforma a comunidade científica portuguesa residente fora do país. Permite ver o número de investigadores no presente e no passado recente em mobilidade, numa infografia muito interessante. Além disso, é possível pesquisar por áreas de trabalho e criar comunidade de investigadores. Em última análise, poderá ser um ponto de partida para múltiplas colaborações.

Consulte o perfil de Rafaela Ganga no GPS – Global Portuguese Scientists.

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

Autor
Portuguese, Portugal